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Kit Black-Viajantes de Mundos.

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Mensagem por Convidado Dom Jul 21, 2013 5:55 pm

Introdução:

Quando uma flecha é atirada e atinge uma inocente, o que parecia ser uma simples tarde de outono vira o começo de uma grande aventura. Isso porque a vítima dessa vez é Alyson Valoem, uma jovem de 17 anos, meio atrapalhada e com opiniões e pensamentos muito diferentes das outras. Mas não pense que a vida dessa garota terminou, pois só está começando.

Depois de voltar à vida com poderes felinos, ela está pronta (ou quase) para conhecer os dois mundos paralelos a este e se meter em várias confusões. Ela e um grupo de amigos muito doidos vão se unir, pela primeira vez, para salvar (ou pelo menos tentar) o seu mundo e os outros dois da ameaça de uma assassina sanguinária, que quer a todo custo dominá-los.

Porém nem tudo é o que parece nessa história, e não vai ser fácil cumprir a tarefa. Nossa querida gatinha vai passar por poucas e boas antes de chegar ao seu objetivo, e conhecer vários amigos, inimigos, trapaceiros com T maiúsculo, além de muita gente com traumas psicológicos.

Será que ela vai conseguir salvar o mundo e a si mesma a tempo? Para a resposta dessa e de outras perguntas, só lendo essa história para saber! Sejam bem vindos ao Reino Diamante, onde tudo é possível, e ao Mundo da imaginação, onde todas as histórias contadas no mundo em que vivemos criam vida. Só tomem cuidado, amigos leitores, para não ficarem presos nesses mundos imaginários de:

Kit Black: Viajantes de Mundos!




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Kit Black-Viajantes de Mundos. Empty Re: Kit Black-Viajantes de Mundos.

Mensagem por Convidado Dom Jul 21, 2013 6:02 pm

1-Uma Mente Bem Diferente

Alyson esfregou os olhos e virou-se para a janela. A noite começava a cair, e a jovem sentia um cansaço extremo e um sono arrebatador tomarem conta do seu corpo. Empurrou o caderno com a lição de álgebra para o lado e puxou para mais perto um livro de capa preta, com o titulo de Kit Black escrito em azul. Na escrivaninha em que ela estava debruçada dava pra notar uma desorganização total, e um porta-retrato em forma de lua crescente, onde se viam três garotas aparentemente na faixa dos 12 anos, abraçadas.

O quarto, de pintura lilás e aparência harmoniosa, parecia sumir da vista de Alyson cada vez mais. Ela abriu o livro, deparando-se com aquela bendita primeira página, sempre em branco, sempre lembrando a sua incompetência. Porque aquele livro era obra dela (seria, se ela tivesse escrito alguma coisa) e mostrava que a vida de uma garota de 17 anos pode ser chata, e sem nada de interessante que possa poder escrever num livro.

-Quem sabe um dia possa ter? -Questionou a jovem para si mesma. O toque do telefone a despertou para a realidade. De mau humor tirou o aparelho do gancho, e atendeu:

-Funerária “Vai Com Deus”, a sua tristeza é a nossa alegria, em que posso ajudar?

-Parando com isso, que já está me deixando assustado. -Respondeu uma voz masculina e suave, que fez Alyson dar um pulo e quase cair da cadeira.

-É você?

-Céus, será possível que já esqueceu a voz de um amigo?

–Claro que não, Ken. Mas nessas horas eu não esperava um telefonema, quanto mais do meu vizinho, que poderia muito bem vir aqui em casa, se o assunto fosse urgente. -Alegou Alyson, abrindo a janela e procurando com o olhar na casa vizinha...

-Pode me ver?

-Ah... Posso! -Respondeu ela acenando com a mão para a janela da casa em frente, onde um rapaz de 20 anos, loiro de olhos verdes estava debruçado, com um telefone sem fio no ouvido. -Então, o que você quer falar comigo?

-Acho que você ia gostar de saber que mandaram uma carta pra você ontem, e o Edgar pediu para eu te entregar. Ele está meio ocupado no bar, sabe... Suponho que, como veio de Bevelly Hills, a carta pode ser da...

-Cloe! -Exclamou a garota, fazendo Ken dar um pulo e sair da janela.

-Desse jeito eu vou ficar surdo!

-Ah, me desculpa, foi sem querer. É que...

-Eu sei, eu sei, você não vê ela e a Sacha desde os 12 anos. –Ele comentou, deixando-se cair na cama e pensando: “Será que ela iria sentir minha falta se eu fosse embora também?”.

-Sabe que eu sentiria a mesma coisa por você, não é?

-Sentiria?

Foi sorte Ken não estar na janela essa hora, senão teria visto Alyson enrubescer drasticamente. Ela recuperou o fôlego e respondeu se segurando para não gaguejar: -É, sentiria.

-Bom saber. Preciso ir. Vem pegar a carta amanhã?

-Vou. Boa noite.

-Pra você também. E bons sonhos.

Alyson não pode segurar um risinho. “Se eu sonhar com você pra mim já está ótimo”. -Vejo você amanhã.

–Tchau.

Ken desligou, imaginando consigo mesmo se não seria perigoso (pra não falar de irresponsável), tentar se aproximar de Alyson quando um retardado mental e maníaco estava no pé dele. - É, assim não dá. Mas se eu esperar muito posso perder a oportunidade. - Sem mais delonga, deitou na cama e foi dormir.

Alyson demorou mais tempo para cair no sono. Depois de desligar o telefone, teve a impressão de ter visto, de relance, uma dama de branco, clara, loira e de olhos brancos, observando-a da janela. Mas só por alguns instantes. Bem que Alyson pensou ser um fantasma no começo (Não tinha medo de espíritos, mais se algum chegasse perto ela se mandaria). Logo descartou a hipótese, pois a aparição não deu mais sinal de vida, e, como ela estava caindo de sono há um minuto poderia ter sido uma ilusão de ótica, um efeito do cansaço. Mas por um longo tempo achou sentir uma presença estranha naquela noite, e por muitas semanas essa sensação não mudou em nada.

Alyson é uma adolescente diferente, do modo de pensar ao modo de encarar seus problemas (muitos por sinal). Tem uma mente aberta, sendo muito teimosa, mas também muito ciente dos seus erros. Conta com uma recuperação física assombrosamente rápida, nunca tendo quebrado um osso ou ficado no hospital, internada. Apesar de sempre parecer alegre, não se sente feliz em Petrópolis, onde mora com a mãe, Leah Valoem. Sua mãe dizia que nascera em outro lugar, e não no Brasil, mas toda vez que a filha perguntava Leah dava um perdido, e nunca respondia. Outra incógnita era o pai. Nunca o vira, e sua mãe recusava-se a mencionar qualquer coisa sobre ele. A verdade é que sentia uma enorme falta de uma presença paterna, e o silêncio de Leah só piorava tudo.

Alyson tinha duas amigas, Cloe e Sacha, as quais ela não via há cinco anos. Cloe tinha se mudado da sua casa, que ficava no centro de Petrópolis, para morar com o pai, depois que sua mãe morreu num acidente de automóvel. A casa de seu pai ficava em Bevelly Hills, o que causou a primeira separação marcante na vida de Alyson. A segunda ocorreu uma semana depois. Sacha, que morava na mesma rua que Cloe, teve que se mudar para Tókio, pois a irmã mais velha, Naoco, tinha recebido uma proposta de emprego irrecusável. A irmã mais nova era responsabilidade dela, já que seus pais morreram numa queda de avião.

Resumindo, ela estava só. Mas no dia da separação chegou uma ajuda inesperada. Pois nesse momento chegava na cidade (para ser mais precisa, na casa ao lado da garota), um jovem chamado Ken Himura.

Alyson estava nos degraus em frente da porta da sua casa, encostada no degrau de cima, abraçando os joelhos e olhando melancolicamente para o horizonte. Nem sabia porque estava ali. Nesse meio tempo o rapaz se debruçou no portãozinho de entrada, e ficou olhando, tomado de compaixão por aquela pessoa tão triste. Apesar de estar bem na frente dela, Alyson não o viu. Estava concentrada demais em seus pensamentos para percebê-lo.

-Eu detesto a minha vida. -Resmungou ela, num acesso de raiva, o que estava ficando muito presente na sua personalidade recentemente.

-Que lástima. Pensei que era diferente das outras pessoas que eu conheci, mas acho que me enganei. - Alegou o rapaz, com uma voz suave, e fazendo com que Alyson desse um pulo de susto.

-Quem é você?

-Para começar o seu novo vizinho.

-Que bom. –Ela retrucou, com o mesmo tom de voz de quem diz “mais essa!”. -Se não se importa, vizinho, estou muito ocupada não fazendo nada.

-Vichi, que mau humor. É assim que você trata todas as pessoas?

-É assim que eu trato todos os que me enchem.

-Ai, isso feriu meus sentimentos. -Debochou Ken. Seria difícil para ela o mandar embora, já que o que ele tinha de bonito (o que não é pouca coisa), ele tinha de teimoso. E não lhe agradava nada a idéia de ser rechaçado por uma pirralha três anos mais nova do que ele.

-Se eu fosse você ia embora antes que eu resolva ferir algo de verdade, e não vão ser só os seus sentimentos.

-Calma, eu só estava brincando. Não vamos começar com o pé esquerdo, vamos?

Ela nada respondeu, mas o olhou com uma cara de: “vamos, se continuar tirando uma da minha cara...”.

-Sou Ken Himura. -Se apresentou ele, estendendo a mão.

-Alyson Valoem. -Disse ela, apertando a mão dele. -Mas vê se não fica achando que já sou sua amiga. Isso ainda vai levar tempo.

-Pode ficar fria, não vou achar.

Até que nem levou tanto tempo assim. Umas semanas depois, os dois tinham se tornado quase inseparáveis. E por cinco anos ficou desse jeito, ou melhor, até agora.

Alyson acordou na manhã seguinte com um pressentimento de que algo ia dar errado. E parecia estar certa, pois logo de manhã sua mãe lhe disse, com a voz mais natural do mundo: -Preciso ficar duas semanas fora. Você vai ficar bem, não é?

A garota se engasgou com uma rosquinha e olhou a mãe com cara de quem não entendeu: -Como é que é?

-Trabalho, duas semanas fora... Entendeu?

-Mas não tem nem uma semana que a senhora voltou de São Paulo!

-É que tenho que acompanhar o senhor Reverton numa palestra em Brasília.

A moça nada disse. Sabia muito bem que a sua mãe precisava comparecer a essas reuniões mal previstas, e até gostava de se sentir livre de vez em quando. O caso era que Leah trabalhava como secretária, no escritório de uma das empresas mais prestigiadas do país. O seu patrão, Reverton Oflerrert, era constantemente chamado para compromissos e grandes eventos, e como Leah é a sua secretária mais competente (ele tem mais uma), Reverton sempre a levava consigo. Esse emprego é a maior causa da “rixa” entre Leah e o pai de Cloe, James Grey. Antes dele se mudar, quando os dois se viam freqüentemente (querendo ou não), ela dizia que o trabalho dele é pretexto de vagabundo. Ele é um arqueólogo famoso, e revida falando que é melhor ser “preguiçoso” do que viver dentro de um escritório fechado, servindo cafezinho pra meia dúzia de colegas. Melhor eu parar por aqui não é?

Alyson continuou a refletir sobre a viajem da mãe, dando a ela a oportunidade de terminar seu café com leite. Um tempo depois ela se levantou e perguntou, despreocupadamente: -Vai hoje?

-Sim vou hoje.

-Agora?

-Agora. Por quê?

-Por nada. –Mentiu a garota. Teve a ligeira impressão de que ia demorar muito tempo para elas se encontrarem depois dessa separação.

-Algum problema? Ou só quer saber para ter tempo de aprontar alguma?

-Claro que não!

-Pensei. Mas é claro que você não aprontaria nada. Enfim... Preciso ir!

-É, a senhora não pode se atrasar.

-Quer alguma lembrança?

-De que? -Perguntou a garota, distraída.

-De Brasília.

-Nada.

-Está bem.

As duas se dirigiram pra fora de casa. Leah deu um beijo na filha e entrou em sua pick-up negra, acenando com a mão. Cinco minutos depois o carro sumia numa curva, deixando Alyson sozinha. A garota ficou alguns minutos na porta de casa olhando o ponto, e já ia entrar quando a voz de Ken rompeu o silêncio.

-Esqueceu de mim?

-Gostaria imensamente que você parasse de aparecer do nada.

-Tá, vou embora. -Alegou o garoto, virando-se e se preparando para ir mesmo.

-Não vai, não, eu só estava brincando.

-Sei. Mas eu tinha que entregar a carta, você se lembra?

-Lembro, lembro sim.

Ken entregou a carta, que Alyson abriu em segundos enquanto Sentava-se num banco atrás de si. Ela ainda haveria muito de se perguntar o porque de Cloe cismar em mandar algo antiquado como cartas, embora existisse internet...

-Posso ver? -Perguntou ele, indo para trás do banco.

-Pode. -Respondeu Alyson, e voltou sua atenção para o papel:

Cara Alyson,

Desculpe-me pelo tempo que eu demorei a escrever novamente. As coisas andam meio estranhas ultimamente, e devo destacar que, se estou dizendo isso, é porque estão estranhas mesmo. Por exemplo, ontem eu achei ter visto um lobo roxo (juro por Deus!), caminhando no meu jardim. E Sacha me ligou hoje de manhã, falando que um pássaro cor de fogo tinha entrado no quarto dela de noite e a acordado.


Alyson parou por alguns instantes. Cloe tinha posto a data do dia em que escreveu a carta no envelope, com uma caneta roxa fosforescente (com certeza para chamar a atenção de Alyson para ela), e a data era de uma semana atrás. Justamente quando um gato preto havia pulado sobre ela e espalhado o trabalho de um fim de semana inteiro: O seu texto sobre mundos paralelos e porque poderiam existir. A professora de português tinha passado esse trabalho no último dia de aula, antes das férias do meio do ano. O desafio era escolher uma idéia extraordinária que todos dizem ser impossível, escrever sobre ela e apresentar um argumento pelo qual pudesse dizer ou provar que essa idéia possa ser real. Balançou a cabeça e recomeçou a ler.

Apesar de essas aparições estarem todas ligadas (eu acredito), não é por isso que eu estou escrevendo. Dessa vez tenho boas notícias, garanto. Uma delas é que vamos nos encontrar em breve: Consegui, com muito custo, convencer meu pai a voltar pra Petrópolis. A outra é que Naoco foi transferida para uma firma brasileira, e vai voltar também. A firma fica no Rio de Janeiro, portanto não vai ficar tão longe assim. Gostaria de falar mais, entretanto estou ocupada tomando conta daquela peste da Karolaine, você sabe, minha prima, e daqui a uma semana estarei aí. Não esqueça! Agente se vê em breve!

Sua amiga, Cloe.



Alyson demorou um pouco para processar os fatos. Quando se tocou, levantou do banco num pulo, acertando sem querer o queixo de Ken.

-Desculpe. Machucou?

-Não, imagina, você me dá quase um murro e não vai doer.

-Também, quem mandou ficar atrás de mim? Não se sente envergonhado de ficar lendo a correspondência dos outros não?

-Você deixou, esqueceu?

-Aa é, eu deixei! -Replicou ela, como quem diz “foi mal”.

-Eu esqueceria isso se você me desse um beijo.

-Você é muito convencido mesmo!

-Não sou. Mas ainda quero um beijo seu.

-Vai ficar querendo. -Retrucou Alyson, empurrando a testa dele com o dedo indicador.

-Espera, espera! Está dolorido.

-Pensei que eu tinha acertado o queixo.

-É né. Falando nisso está sangrando?

-O que? -Perguntou Alyson, já sem paciência.

-Meu queixo, minha boca... Acho que eu mordi a língua.

-Se tivesse mordido a língua, não estaria tagarelando! -Riu ela.

-Zomba bastante da desgraça dos outros.

-Vai, me deixa ver se eu quebrei um dente seu. -Debochou a garota, levantando a cabeça de Ken e movendo delicadamente de um lado para o outro, tentando ver se ele sentia dor mesmo. -Só está inchado, vai ficar b...

Ela nem chegou a terminar a frase, pois antes que tivesse percebido o movimento, Ken a puxou e lhe deu um beijo nos lábios. Como lá no fundo ela queria beijá-lo há muito tempo, em vez de empurrá-lo apenas o abraçou.

Separaram-se segundos depois. Um carro rosa apareceu na esquina e foi na direção deles, que se separaram em tempo de evitar o choque, pulando um para cada lado.

Enquanto Alyson tentava se equilibrar novamente, o carro freou com uma rangida de pneus barulhenta. De seu interior saiu uma garota ruiva, de cabelos curtos e olhos cor de mel. Vestia uma blusa rosa pink, um short jeans, e de longe já transparecia a sua personalidade de patricinha convicta.

-Alyson! Que bom te ver!

Alyson virou para Ken, que tinha ido apoiá-la, e fez um sinal de “besta” para ele, que apenas concordou com um risinho disfarçado.

-Eu assustei vocês? -Perguntou Sacha, de frente para os dois.

-Essa foi uma pergunta simplesmente retórica, não foi? -Questionou Alyson.

-Não!

-Desde quando você dirige?

-Desde que passei no exame, no mês passado.

-O examinador devia ter algum problema mental. -Comentou Alyson consigo mesma, rezando para que esse erro não fosse causar acidentes mais graves. No mesmo minuto estremeceu, dando um passo para trás. Talvez estivesse pirando de vez. Acabara de ver um vulto negro atravessar a rua, bem na sua frente.

-Olha ela aí. -Falou Sacha, apontando para uma moto que se aproximava, provavelmente terminando a frase que Alyson não ouvira.

-Quê? -Perguntou Alyson, voltando a si.

-Em que estava pensando? -Perguntou Sacha.

-Em nada. Era só...

-Um devaneio. -Completou Ken. -Pensei que eles tinham parado.

-Tem devaneios com freqüência? -Sacha interrompeu.

-Não. Mas desde ontem estão terríveis. -Respondeu a jovem, entre os dentes.

A moto que Sacha apontara parou ao lado deles. Era negra, e nas suas laterais saiam riscos violetas. A motorista desceu da moto e tirou o capacete, mostrando seus olhos castanhos claros e cabelos da mesma cor, encaracolados, baixos e bonitos. Tinha um sorriso cativante, um temperamento estável e uma inteligência que a classificava como formidável.

-Só podia ser você. -Alyson abraçou a amiga por alguns instantes.

-Afinal de contas o mundo não é tão injusto assim, não é?

-Eu já tinha chegado a essa conclusão há muito tempo.

-Que ótimo. -Replicou Cloe, abrindo um sorriso. -Assim eu não vou precisar te convencer.

-Evitemos brigas desnecessárias.

-E insuportáveis também. -Alegou Sacha para Ken, num sussurro.

Uma pontada no coração de Alyson avisou que ela não deveria estar ali. Tentou ignorar, mas seu estômago se revirou de tal forma que a fez pensar melhor. -Eu vou tomar um ar.

-Você está do lado de fora, tomar mais ar que isso é impossível. -Sacha disse, em tom suspeito.

-É sério, preciso ir. -Algo murmurava em seu ouvido, numa voz calma e luminosa: “Vá embora, enquanto ainda dá tempo”.

“Não posso”.

“Por quê?”.

“Não sei... estou com um mau pressentimento”.

“Não é à toa. Se você não sair logo daí, elas vão morrer”.

“Ninguém morre assim”.

“Pare de bancar a teimosa! Você sabe que vai acontecer alguma coisa. Elas vão morrer”.

“Como evitar?”.

“Não pode evitar. Não se ficar ai. Saia!”.

“Em que isso ajuda?”.

“Em nada. O destino diz que alguém vai morrer hoje”.

“Então não posso ir”.

“Seja realista. É você que vai morrer aqui. Se quiser poupar mais vidas, que é o que você pode fazer, suma!”

Alyson balançou a cabeça para afastar esses pensamentos. Já tinha tomado sua decisão, mas era difícil dar um passo em frente. Há muito tempo pedia para morrer. Há muito tempo julgava que o único jeito para se livrar da dor era a morte. Mas não tinha coragem de tirar a própria vida, portanto rezava para que sua hora chegasse rápido. Logo agora que tudo ia bem, que tinha conseguido ganhar o coração de Ken, que suas amigas tinham retornado, que a vida se tornara tão doce...

Mas ela era do tipo de garota que não recua diante de nenhum perigo e, apesar do futuro incerto que a esperava, não tinha medo nenhum da morte. -Eu... Tenho umas coisas para fazer. Já volto.

Ken a seguiu com o olhar desconfiado e preocupado de quem sabe que o amor de sua vida vai aprontar alguma.

-Ela não parece estar normal. -Comentou Sacha.

-Ela não pode estar. A Alyson que eu conheço jamais nos deixaria aqui sem mais nem menos. -Lembrou Cloe, num tom sério. -Ela não pode ter mudado tanto assim.

-Não mudou. -A voz de Ken saiu meio tremida. A preocupação estava escrita no seu rosto, e um temor latente passou pela sua mente. Ele voltou, o seu pior inimigo, um assassino masoquista e cruel. E não estava sozinho, pois uma força oculta e fria podia ser sentida a distância por alguém que tivesse feito o mesmo treinamento que ele. Não sabia o porquê, mais essa força estava atrás de Alyson, e faria qualquer coisa para destruí-la. Num instante, a resposta para o comportamento estranho da garota apareceu: ela sabia! Não tinha certeza de como, mas ela sabia.

-Ken, você está bem?

-Como sabe o meu nome?

-Cinco anos de correspondência com Alyson e você acha mesmo que ela não falou nada a seu respeito? -Disse Cloe, sem emoção: -Mas se eu fosse você, ia procurar ela.

-Mas é claro que eu vou.

-Então eu acho bom andar logo, as coisas não parecem nada boas.

T ZT ZT ZT

Alyson andava lentamente pela rua. Esperava a qualquer momento levar um tiro, ser atropelada ou que algum prédio desabasse sobre ela. Mas não havia nada... Nada que pudesse preocupá-la.

-Isso só pode ser brincadeira. Não pode ser real.

-Pode sim. Já que você veio de tanto bom grado se oferecer para o meu arco, vou fazer o favor de te matar sem dor.

Ela não teve tempo nem de ver o rosto do rapaz que lhe falava. No momento em que virava instintivamente, sentiu uma dor dilacerante no coração e algo transpassando sua carne. Podia sentir o sangue escorrer, e alguém a segurar, na hora em que ia cair no chão. E, inesperadamente, tudo escureceu.

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Mensagem por Convidado Dom Jul 21, 2013 6:12 pm

2-Uma Segunda Chance


Quando ela abriu seus olhos, parecia que tinha dormido por um século. A dor tinha passado, mas Alyson não se sentia normal. Ela estava num parque, cercada por árvores, com uma luz dourada emanando de todo o lugar. Um vulto negro encapuzado estava ao seu lado.

–Quem é você?

–Eu? -O vulto dirigiu-se a ela, numa voz feminina e calma: -Em alguns lugares sou conhecida como “o fim da vida”, em outros como destruidora, outros ainda me chamam de ladra. -Fez uma pausa, na qual Alyson balançou tristemente a cabeça, e continuou: -Mas para você, sou apenas Morte.

–E você vai me levar para o céu, ou para o inferno?

–Para nenhum dos dois. -Respondeu a Morte, tirando o capuz e mostrando-se para a jovem. Essa esperava ver um crânio chamejante, mas logo se tranqüilizou: o rosto da Morte era bonito, mais belo, talvez, de que qualquer rosto que existe sobre a terra. Tinha cabelos negros, que chegavam até a cintura, olhos negros, nada assustadores, mas cheios de mistérios intrigantes. A pele era pálida como a luz da lua, os lábios vermelhos e carnudos.

–Mas eu não morri?

–Você está morta.

–Então eu tenho que ir para algum lugar, não é?

–Isso é o que acontece com todos.

–E?

–Bom, aconteceria com você também, porém há uma missão valiosa a cumprir.

–Missão?Que tipo de missão?

–Siga-me. -Chamou a Morte. Alyson a seguiu por toda a estrada em meio ao parque, depois pelo caminho que levava até uma colina alta e coberta de uma grama verde quase cintilante. Subiram a colina e no seu topo havia um lago minúsculo.

–Sente-se.

A garota sentou-se com as pernas cruzadas na grama, e olhou para a Morte.

–Você é uma garota de coração nobre. Preferiu morrer sozinha a compartilhar essa experiência com os seus amigos, e depois de tanto pedir para morrer, não se arrependeu. Por quê?

–Não acredito que a morte seja um castigo, nem uma falta de sorte.

–É mais diferente do que aparenta, Alyson Valoem, ou não seria melhor dizer Kit Black?

–Kit Black é meu codinome.

–Claro. -Concordou a Morte, mas de um jeito estranho.

–Mas... A senhora não disse que eu tenho uma missão?

–Tem. Precisa deter uma assassina fria e cruel.

–Deter?

–É. De tentar dominar os mundos. Mas isso você vai descobrir com o tempo. Para mim foi dada apenas a obrigação de lhe entregar isso. -E dizendo isso, a Morte botou um cordão no pescoço de Alyson. O cordão era prateado, e tinha a forma de uma estrela envolvida por uma lua, e ao seu redor havia um aro de prata.

–E como estão os outros?

–Isso você mesma pode ver. -Disse a Morte, tocando com o dedo indicador o lago. A superfície lisa e transparente agitou, e no seu centro apareceu uma imagem embaçada.

–Por que está tudo embaçado? -Perguntou Alyson.

–Infelizmente o Mundo Real é altamente suscetível a se corromper. E a maldade se espalha pelos corações humanos tão rápido quanto um veneno num corpo frágil.

Alyson olhou para o lago. A imagem tinha se tornado finalmente visível. Ela viu alguém chorando sobre o seu corpo, desconsoladamente. Não demorou muito para perceber quem era: Ken!

–Pelo amor de Deus, meu caro, ela morreu, chorar não vai trazê-la de volta. Eu gostaria muito de te mandar para junto dela, mas eu prefiro não atacar pelas costas. Quero muito me divertir com isso. -Disse um rapaz ao seu lado, dramaticamente.

–Vai para o inferno! -Ken deitou o corpo de Alyson delicadamente no chão e levantou-se. Cravou seu olhar no rapaz, seu rosto expressava um ódio quase homicida. -Eu vou matar você, Driguem. Essa é a gota d’água.

–É a hora de você voltar. -Alegou a Morte, voltando-se para Alyson. -Por mais que Driguem mereça morrer, essa não é a hora dele. E não me preocupo só com a morte dele, mas também com Ken. Vá, e evite que ocorra algo grave. Todos têm um papel a cumprir, e pode ser que esses dois sejam muito importantes no seu destino.

Alyson levantou-se: -Posso saber uma coisa?

–O quê?

–Por que os humanos temem tanto você?

–Eu sou o oposto da coisa que todos os homens mais cobiçam. A imortalidade. Na realidade, ela é abençoada por aqueles que nunca poderão tê-la, e amaldiçoada por quem a tem na mão.

–Obrigada. Mas creio que é a hora de dizer adeus.

–Não diga adeus. Diga até outro dia. Nós ainda nos encontraremos, mais vai demorar muito.

Alyson viu a linda paisagem ao seu redor desvanecer, e sentiu que mais uma vez mergulhava na escuridão. Seu corpo começou a doer e ela abriu os olhos. Estava novamente na rua em que morrera, e sua roupa estava empapada de sangue. Mas, ao invés do ferimento que havia lhe tirado a vida, apenas uma cicatriz, em forma de cruz, restara. A dor desapareceu completamente, e só ficou a memória da Morte, nada mais… Além do medalhão, que ainda estava em seu pescoço.

Alyson levantou-se com esforço e tentou desesperadamente achar Ken. -Espero que eu não tenha chegado tarde demais.

Olhou de um lado para o outro e conseguiu localizá-los. Os dois travavam uma batalha violenta, que terminou com a espada de Kem voando longe e Driguem mirando o arco em seu coração. Alyson quase teve um colapso nervoso: -Qual é! E agora o que eu faço? -Olhou injuriada para o cordão no seu pescoço e retirou-o. -Vamos, me dê uma luz! -Por um instante algo passou pela sua cabeça. Uma voz familiar dizia para “mostrar sua verdadeira forma”. Ela reconheceu prontamente a voz que havia lhe avisado que iria morrer. Concentrou-se no medalhão e começou a repetir para si mesma sem cessar: “mostre minha verdadeira forma, mostre minha verdadeira forma, mostre...”.

Repentinamente sentiu que estava mudando. Mas não sabia nem como, nem por quê. Quando deu por si, tinha orelhas de gato, uma cauda negra e suas unhas tinham ficado afiadas como garras. O seu espanto foi logo subjugado pelo pensamento em Ken, que daqui a poucos minutos seria transpassado por uma flecha. -Ah, ele não vai. Não vai mesmo!

Com todos os motivos para matar alguém, qualquer pessoa normal pensaria duas vezes antes de cometer um crime. E a grande pergunta é: Até que ponto você iria até que tivesse a vontade de matar alguém?

Foi uma questão de minutos (ou seriam segundos?), para Alyson chegar aonde queria. Mais uma pequena pergunta: Se alguém ameaçasse matar o seu futuro namorado, o que você faria?

–Se encostar em mais um fio de cabelo dele, você é um homem morto. -A voz de Alyson chegou como uma apunhalada, bem atrás de Driguem.

–Quem deveria estar morta aqui é você, não? -Disse Driguem, virando-se e encarando Alyson com olhos vermelhos como brasa. -Nunca pensei que iria me sentir tão bem em conhecê-la, Kit Black.

–Não use o meu nome em vão… -ela disse instantaneamente e, antes que pudesse reparar no que tinha dito, foi cortada por Driguem.

–Claro, se é assim que prefere.

–Eu preferiria que você fosse embora enquanto pode, para que eu não precise sujar as minhas mãos te mandando para o inferno!

–Eu vou, queridinha, mas eu volto. E quando eu voltar é bom estar preparada para pagar por sua ousadia.

–Se voltar, pode ter certeza que não terei misericórdia.

–Palavras bonitas para quem acabou de reviver. Ou será que os boatos são verdadeiros e a grande salvadora de Diamante retornará finalmente? Eu não gostaria de estar na sua pele, principalmente quando Haradja te encontrar.

–Quem? -Alyson perguntou, mas tarde demais. Driguem tinha desaparecido numa nuvem de fumaça, e deixado atrás de si várias perguntas.

Ken levantou-se meio em choque e olhou para Alyson: - Está viva? Como você sobreviveu?

–É uma longa história. -Respondeu a garota. -Você está bem?

–Na medida do possível. Mas eu quero saber o que aconteceu com você.

–Comigo? Nada não, eu só bati um papo com a Morte. Eu tenho uma moral com o pessoal lá de cima e nem sabia. -Comentou, olhando para o céu e dando um muxoxo.

–Mas... Você tem certeza da que está bem? -Perguntou Ken, chegando mais perto e colocando a mão na testa da garota.

–Você está variando? Já não disse que estou legal?

–É quê...

–Quê?

–Eu fiquei com medo de te perder. -Ele confessou, abraçando-a.

–Sinceramente, achei que quase ninguém fosse sentir a minha falta. –Ela disse, sem soltá-lo.

–Quando é que deu pra ter esses pensamentos idiotas? -Ele riu, tentando fugir do assunto.

–Se isso te consolar, quando eu morrer de vez, eu volto para buscar você.

–Promete? Eu não sei se posso viver sem você.

–Claro. -Respondeu Alyson, pensando ao mesmo tempo: “Duvido muito que Dona Morte ia me oferecer uma honra dessas.”

T ZT ZT ZT

Alguns minutos depois, os dois estavam sentados na confortável sala da casa de Alyson, com Cloe e Sacha, para tentar achar uma explicação.

Alyson estava deitada no sofá com uma roupa limpa e com uma compressa de gelo na cabeça. Ken estava na poltrona, limpando um ferimento superficial que uma das flechas de Driguem tinha feito no seu ombro. Cloe observava o medalhão da Morte atentamente, sentada no outro sofá. Sacha acabava de chegar da cozinha, com uma xícara cheia de líquido verde na mão.

–Prontinho! -disse ao entrar, dando a xícara para Alyson e sentando junto com Cloe.

–Você tem certeza que isso aqui é pra dor de cabeça, Sacha? -Perguntou ela, fazendo uma careta e cheirando o chá.

–Quer discutir comigo? Se tiver uma coisa que eu sei fazer bem, essa coisa é cozinhar.

–E de que é o chá? Tem cheiro de mato.

–Porque é mato! -Alegou Cloe, afirmando, categoricamente: -Eu disse que era a erva da direita, mas ela cismou que não era.

–Eu... Vou ficar com o bom e velho gelo mesmo. -Desistiu Alyson, colocando a xícara cheia numa mesinha ao lado do sofá.

–Afinal, de onde saiu essa sua dor de cabeça? -Perguntou Cloe, voltando a sua atenção para a amiga: -Você levou uma flechada no coração, não foi?

–Foi. Mas desde a hora que eu voltei essa dor de cabeça está me matando. -Respondeu, amuada. -Falando nisso, você descobriu alguma coisa sobre esse medalhão?

–Nada. Parece até que veio de outro mundo. Não tem nada sobre ele escrito em lugar algum. Geralmente quando se tem um artefato que supostamente tem poderes, ele fica em um museu, ou escondido.

–Mas deve ser de outro mundo mesmo, foi a Morte quem deu. -Alegou Sacha, completando: -Ou você acha, como eu, que Alyson está com um parafuso solto?

–O que eu acho é que vou te fazer em pedaços se repetir isso de novo. -Ameaçou a jovem, vermelha de raiva.

–Não, eu não acho que nossa amiga pirou. -Continuou Cloe. -Além do mais, não há nenhuma explicação plausível para o fato dela ter levado uma flechada em pleno coração e ter sobrevivido.

–Concordo com ela. -Disse Ken, entrando na conversa.

–E eu acredito em poderes ocultos e em magia, apesar de, na maioria das vezes, tentar achar uma solução cientifica para uma grande parte de fatos estranhos.

–Nisso você puxou o seu pai. -Comentou Alyson. -Enfim, pode continuar.

–De acordo com os meus cálculos, a sua transformação deve ter algo a ver com o episódio do gato. Quer dizer, quais são as possibilidades de um lobo, um gato e um pássaro “atacarem” a gente no mesmo dia? –Alegou Cloe, concluindo: -Isso me faz imaginar que, se você transformou-se em meio-gata, é provável que nós vamos nos transformar também.

–Uma grande probabilidade, na minha opinião. –Disse Kem. Seu olhar pareceu vago. –Foi mal... Isso é tudo culpa minha.

–Como é? –Questionou Alyson, o fitando.

–Por isso que o assassino o conhece. –Contestou Cloe. –Vai contar o que você sabe para nós, Kem?

–Já devia ter aberto o jogo há muito tempo. Sabia que havia algo errado, mas não me esforcei para descobrir o que era. Vou contar tudo para vocês.

–Tudo o quê?

–A minha história... É melhor começar do início...

–De preferência. –Resmungou Alyson, cruzando as pernas.

–Deixe-o falar, amiga. –Pediu Cloe.

–Desculpe, não estou com muita paciência para isso hoje.

–Claro, estamos todos muito calmos com relação a tudo isso. Não é? –Ironizou Cloe. –Continue, Kem, por favor.

–Quando eu tinha doze anos, meus pais foram assassinados.

–Seus pais foram assassinados? –Questionou Sacha. –Alguém não devia gostar nada deles.

Kem olhou-a pensando seriamente que “aquela ali não tem mais jeito”, e já ia respondendo quando Cloe o interrompeu. –Ignore seus argumentos idiotas como eu. Assim você poupa saliva.

–E tempo precioso. –Completou Alyson.

–Sem lugar para onde ir, e querendo vingança, me refugiei junto a um antigo mestre de artes marciais. Chamavam-lhe de Viajante de Mundos, e, sinceramente, eu nem imaginava o porquê. Enquanto eu treinava com ele (que também era um ótimo espadachim), descobri quem tinha assassinado meus pais... Driguem.

–Espera aí... -A jovem interrompeu de novo. –Quantos anos ele tinha nessa época?

–A minha idade. Doze anos.

–Ele já era um assassino com doze anos? –Alyson continuou, chocada. –Que horror.

–Chocante, não é? Ele fazia parte de um grupo de exilados da sociedade espadachim, por serem desonestos e formarem assassinos muito jovens. O grande problema foi que Driguem jurou cumprir todas as suas missões completamente.

–O que isso quer dizer? –Perguntou Sacha.

–Ou seja, não deixar ninguém vivo. –Traduziu Cloe.

–Exato. Ele foi atrás de mim.

–E imagino que você foi lá mexer com quem não devia. –Disse Alyson.

–Pensei. Apenas pensei. Meu mestre me disse que, se eu me vingasse, seria igual a ele. E que se eu fosse matá-lo, que fosse por um bom motivo, que não fosse vingança. Para não fazer nenhuma besteira da qual eu poderia me arrepender depois, resolvi vir para Petrópolis. Mas antes de partir meu mestre me explicou o motivo do apelido: ele nascera em outro mundo, paralelo ao nosso, chamado de Reino Diamante. Há outro ainda, o Mundo da Imaginação, onde todas as histórias feitas no nosso mundo criam vida. O Viajante de Mundos me advertiu que Driguem mais cedo ou mais tarde se uniria a uma assassina de Diamante, que quer dominar todos os mundos, para destruir a única pessoa que pode detê-la. E, finalmente, me explicou que veio a este mundo com uma missão...

–Achar um rapaz, para que pudesse contar sobre seu mundo e para que este fiel aprendiz encontrasse a salvadora de Diamante. E levasse-a para lá. –Adivinhou Cloe.

–Então foi tudo planejado? –Questionou Alyson, rouca.

–Quase tudo. A Morte estava encarregada de te entregar o medalhão, mas não era para você ter morrido... E eu nem imaginava que fosse você. Eu precisava ter pensado nisso, com todos os seus devaneios... Você não devia ter morrido. Eu tinha que proteger você. Desculpe-me.

–Tinha que ter algum erro de cálculo, né? –Disse Sacha. –Ele não podia saber de tudo.

–Foi tudo planejado nos mínimos detalhes. Isso quer dizer que as coisas não estão mesmo boas lá em Diamante. -Argumentou Cloe. -Devem estar precisando mesmo de ajuda.

–E vão ter. -Alyson levantou-se do sofá bruscamente. -Eles pediram ajuda, de certo modo, e eu não vou cruzar os braços e fingir que não é comigo.

–Então concordamos, vamos partir.

–Para onde?

–Para um dos cinco portais que ligam esse mundo à Diamante. O portal de Stonehenge.

–Eu sabia! -Exclamou Cloe.

–Posso perguntar: sabia o quê? -Replicou Alyson.

–Que havia algo místico em Stonehenge. Sempre achei que algo lá era de outro mundo, sobrenatural. É um lugar muito magnético, sabe?

–Você não é a única que acha esse lugar “místico”, lembra-se? A quantidade de gente que sente isso é bastante grande.

–É, verdade. Mas uma vez que você visita o Stonehenge, jamais esquece. Da próxima vez que eu me mudar, vou ver se arranjo uma casa perto de Wiltshire.

–Não nessa vida, querida. Passamos muito tempo sem se falar, e você quer ir embora de novo? -Disse Sacha.

–Por que nunca me disse que visitou o Stonehenge? -Cortou Alyson.

–Eu esqueci... E, aliás, sendo filha de quem eu sou, isso não deveria ser uma surpresa.

–Tem alguma idéia de quanto tempo vamos levar para chegar lá? -Questionou Kem.

–De avião, mais ou menos uns dois dias. Mas eu não sei ao certo, pode demorar três.

–Vamos precisar de um avião. -Comentou Alyson, olhando para cima.

T ZT ZT ZT

Horas depois...

–Esse é o avião mais rápido que eu consegui. -Disse Cloe, na Bahia de Guanabara, Rio de Janeiro, apontando para o hidroavião complexo e grande que o pai tinha lhe dado, anos antes. O piloto saiu do veículo e lhe entregou as chaves. Era um rapaz atraente, de cabelos castanhos claros e olhos azuis. Teria uns vinte e seis anos, no máximo.

–Obrigado Elliot. Vou ficar te devendo essa.

–Sem problemas. Eu ia ter que vir de um jeito ou de outro. O que quer que eu diga para seu pai quando ele chegar?

–Diga que eu... Volto daqui a quatro dias. Eu espero que não fique entediado, aqui sozinho.

–Não, já estou acostumado. Boa viagem, e vê se vocês criam juízo, em?

–Pode deixar. -Respondeu Cloe. -Vai de moto, é mais rápido.

–Não, tudo bem, o James têm um carro estacionado em algum lugar por aqui...

–Papai já está aqui?

–Em uma visita, acho... É melhor eu ir.

–Então tá. Tchau.

Elliot deu um beijo na testa da garota e pegou as chaves que ela lhe estendia. –Pode levar ela para casa? Não posso sumir por três ou quatro dias e deixar minha moto estacionada em qualquer lugar.

Ele sorriu e acenou com a cabeça, afastando-se, minutos depois desaparecendo numa curva da estrada. É preciso explicar que Cloe foi de moto na frente, para preparar os procedimentos para a viagem, e os outros foram de ônibus (o que causou muitos protestos por parte de Sacha).

–Quem é? -Perguntou Alyson.

–Não acha ele velho demais para você, Cloe? -Alegou Sacha.

–Pára de falar besteira, Sacha, é obvio que ele não é namorado da Cloe. -Retrucou, virando-se para Cloe depois. -Mas sério, quem é ele?

–É o meu meio-irmão mais velho, o Elli, se lembra? Aquele que estudava na Inglaterra.

–Aquele é o Elliot? Da última vez que o vi, era um adolescente marrento e metido. -Comentou Alyson, surpresa, tentando relembrar a ultima vez que o tinha visto, dez anos antes. -É, as pessoas mudam.

–Incrível né?

–Espera aí... Ele não chama o pai de vocês de “pai”.

–Pois é, Elliot está numa fase difícil, para falar a verdade só chama o nosso pai desse jeito quando está de muito bom humor ou em situações especiais... Quando visitamos nossa avó, principalmente.

–Ela tem paranóia com essa história de filho pródigo ainda?

–Sabe como são os mais velhos. –Ela disse, fazendo uma careta de indiferença. -Agora, quem vai pilotar o hidroavião?

–Você não sabe pilotar?

–Sei. Mas eu preciso tirar um cochilo. Eu madruguei, para chegar aqui cedo. Mas se quiserem que eu pilote...

–Pode deixar, Cloe, você já fez o bastante conseguindo o hidroavião e as coordenadas de vôo. -Decidiu Ken.

–Você sabe pilotar? -Questionou Alyson.

–Sei e tenho permissão.

–É, gatinha, você é a única aqui que não dirige nem pilota coisa alguma.

–Isso é porque eu tenho bom senso, ao contrário de você, Sacha.

–Enfim, vamos logo. Entrem no hidroavião, por favor. -Pediu Kem evitando uma discussão.

–Trancou a casa, Ly?

Alyson detestava ser chamada assim…

–Claro, lhe pareço irresponsável? Agora se eu fosse você, Sacha, parava de gracinhas. -Respondeu a jovem, entrando no hidroavião.

–Está bem, já parei.

O hidroavião finalmente alçou vôo. Começava, neste instante, um novo capítulo da vida desses quatro jovens. O que eles encontrariam pela frente? O que a ardilosa deusa do destino terá traçado em seu caminho? Muitas vidas dependeriam deles, e Alyson e os outros tirariam coragem de nem se sabe onde para enfrentar tudo o que lhe foi reservado. Mas estou muito à frente, e não quero revelar nada antes da hora. É melhor continuar de onde parei.

A viagem começou bem. Depois de algumas horas, pousaram numa clareira. As árvores em volta formavam sombras medonhas no chão, e a lua cheia aparecia no céu estrelado com uma aura vermelha ao seu redor. Os viajantes estavam sentados em volta de uma fogueira, assando marchmallows, depois de um jantar mais ou menos nutritivo.

–Isso me lembra um acampamento de verão. -Comentou Alyson, espetando um marchmallow em seu graveto.

Cloe a fitou por uns instantes e jogou um pedaço do seu doce para um esquilo que ousava chegar mais perto. -Lembra mesmo.

–Nunca gostei muito deles. -Confessou a garota, dando um suspiro. -Cercada de imbecis, no meio de uma floresta, sem nada de muito interessante para fazer. Um tédio total e perpétuo.

–Alyson Valoem entediada? Achei que não viveria para ver isso. Para falar a verdade, nem imaginava que um dia você foi para um acampamento. Não é muito a sua cara. -Comentou Ken.

–Acredite, não é mesmo.

O esquilo que há poucos minutos estava devorando um pedaço de marchmallow, largou o doce e fugiu.

–O que será que deu nele? -Perguntou Sacha, sem o mínimo interesse.

–Sei lá. Estava quieto ainda há pouco. -Foi a resposta de Cloe, mas dirigida a ela mesma do que à Sacha.

–Creio que não se deve esperar muito de animais selvagens. Quando a natureza os chama, eles vão. -Kem explicou, antes de morder um marchmallow.

Alyson, que não estava prestando nenhuma atenção na conversa sobre os animais selvagens, se sobressaltou com um som de galhos quebrando atrás de si.

Ken notou o movimento e perguntou: -O que foi?

–Escutou algo?

–Não. Só o vento batendo nas árvores.

–E o crepitar da fogueira. -Completou Sacha.

Cloe despertou do seu devaneio e virou-se para a amiga. -Ouvi. Alguma coisa está se aproximando. Parece...

–Alguém caminhando dentro da floresta. -Completou a outra, levantando-se.

–Vocês têm certeza? -Ken parecia estar bem preocupado.

–Absoluta. Não conseguem ouvir?

–Está se aproximando. Devagar, mas está. -Prosseguiu Cloe.

–Em todo caso, não é melhor nós entrarmos no hidroavião? -Sacha perguntou, se escondendo atrás de Cloe. Parecia ter saído de dentro de um túmulo, de tão pálida.

–Até que enfim você tem uma boa idéia. -Implicou Alyson, apagando a fogueira e entrando junto com os outros no hidroavião.

–Estão cientes que isso é um exagero, não estão? -Retrucou Ken, sentando na cadeira do piloto e cruzando os braços.

–Melhor prevenir do que remediar. -Alyson explicou.

–Sabe também que, seja o que for, podemos muito bem enfrentá-lo.

–Podemos resolver isso com a luz do sol. Não vamos abusar da sorte, é preferível ficar uma noite de vigia do que se arriscar a se meter em uma enrascada.

–Ok, eu desisto. Mas se algo resolver nos atacar, vou pessoalmente ter uma conversinha com ele.

–Esfria a cabeça, Ken, pode ser só um animal. E vamos ficar de vigia. -Tranquilizou a garota. -Quem de nós vai ficar com o primeiro turno?

–Eu fico. Vou te acordar daqui a três horas. -Disse Cloe.

–Ótimo, boa noite. -A garota cobriu-se com uma capa, sentou-se em seu banco e jogou o capuz sobre a cabeça. Ken se aconchegou no banco do piloto e logo caiu em um sono conturbado. Sacha se espreguiçou, reclamando algo sobre aqueles bancos serem impróprios para se dormir, mas acabou por adormecer. Cloe tamborilou os dedos no braço de seu banco, nervosamente, e se preparou para vigiar.

A noite passou sem mais preocupações. A não ser o som que Cloe, e três horas depois Alyson, voltaram a escutar, tudo ao redor parecia estar dormindo, e a manhã começou com uma estranha calma no ar.

–Então, nada? -Questionou Alyson de manhã, colocando a mão nos ombros de Kem.

–Absolutamente nada. -Respondeu ele, de mau humor.

–Vai ficar emburrado por causa disso o dia inteiro?

–Não é alguém andando no meio da mata que está me incomodando.

–Ou um animal... Não sei dizer ao certo. Mas afinal de contas por que você está assim?

Ele deu de ombros e abaixou a cabeça, deixando a franja loira cobrir momentaneamente os seus olhos: -Estou com um mau pressentimento. E quando estou assim acontecem coisas ruins.

O garoto mal terminou de falar e um grande tremor de terra abalou o local, fazendo voar areia e folhas mortas para todo lugar. Quando a matéria morta se assentou, os dois puderam ver uma pessoa encapuzada e de capa negra, parada a alguns centímetros do hidroavião.

–É... Isso não parece bom. -Comentou a jovem, fitando o desconhecido e olhando em seguida para Ken.

–Não parece mesmo. Acho que encontramos a pessoa que estava andando na floresta ontem. –Ele comentou, sem se abalar.

–O que você sugere?

–Vamos ver o que ele quer. Mas é bom ficarmos em alerta.

–Não tem nada melhor em mente?

–Sinceramente... Não.

Ela olhou para cima aflita, mas acabou seguindo o rapaz para fora do hidroavião. Em instantes eles e o desconhecido estavam frente a frente, encarando-se. Os dois estavam prontos para atacar se o visitante desse um passo em falso. Não podiam ver seu rosto, encoberto pela sombra do capuz, mas seus olhos emanavam uma luz amarela forte, tendo a retina riscada, como um gato. A jovem não pensou duas vezes e logo se concentrou para se transformar em meio-gata. Ken puxou a espada que estava atada em suas costas e entrou numa posição de defesa. O estranho nem se mexeu. Seus olhos amarelos vivos encontraram-se com os olhos esverdeados e atentos de uma Alyson transformada e logo se apagaram.

–Quem é você? -Perguntou Ken calmamente.

–Alguém que está aqui para ajudar.

–Isso não diz muito. -Comentou Alyson. -O que quer?

–Eu já disse. -Respondeu a voz masculina, tranquilamente.

–Creio que sabe que não vamos nos conformar com essas meias explicações, o que significa que se você não abrir a boca para dizer algo que faça sentido as conseqüências podem ser desastrosas. -Retrucou Ken.

O desconhecido ficou silencioso por alguns momentos e, finalmente, perguntou: -E como exatamente vocês vão me forçar a falar?

–Já que o diálogo nem sempre funciona... -Ia dizendo Ken a garota, antes de pular e atacar o desconhecido com um golpe certeiro... Que, por incrível que pareça, não atingiu nada além do chão de terra fofa. Ele olhou para trás bem a tempo de desviar de um chute do rival. O estranho usou sua rapidez estupenda para desarmar o rapaz, acertando o pulso de Ken com um chute sem, porém, machucá-lo seriamente. Ouviu-se o barulho de ferro batendo no chão e Ken percebeu, com desgosto, que sua espada tinha voado longe, e estava fora de alcance naquelas condições.

–Eu adoraria travar um duelo mais demorado com você, jovem espadachim, mas o tempo urge. E já disse que não quero o seu mau.

Antes que o rapaz pudesse revidar, seus pés e pulsos se juntaram, como se estivessem sendo amarrados por grossas cordas. Passado o momento de surpresa, Ken tentou se soltar. Novamente em vão. Até parecia que seus pulsos e suas pernas não o obedeciam.

Foi a vez de Alyson entrar em ação. Ela saltou bem atrás do rival, deu um rodopio com a mão no chão e acertou um chute bem na boca do estômago do estranho. Pego de surpresa, este cambaleou. Ela aproveitou a sua vertigem e se aproximou para dar um golpe. Não teve tanta sorte dessa vez. Ele se recuperou rápido, e impediu o gancho de direita com uma das mãos. A garota fez uma cara de frustrada quando o golpe falhou. Tinha sido lerda demais, dizia a si mesma. Tão lerda que ainda deu tempo do inimigo segurar seu punho com a mão direita. Ele levantou-a facilmente, apenas pela mão, a alguns poucos centímetros do solo.

Alyson tentou mais uma vez. O máximo que conseguiu foi ter a sua outra mão presa pelo homem. Ele soltou uma gostosa gargalhada e disse, aparentemente de bom humor: -Vejo que é perseverante, tampinha. É você mesma que eu vim ver. Agora se pararem de tentar me matar eu ficaria muito grato mesmo. Não vim de Diamante para ser desfiado pelas pessoas que tenho de zelar, e, se ainda ignoram, feiticeiros também se cansam.

–Feiticeiro??? -Disseram Ken e Alyson, em uníssono.

–É, acho que foi o que eu disse sim. Querem que eu desenhe?

Os outros dois olharam-se perplexos. -Não.

–Que bom. É, eu sou um feiticeiro. Meu nome é Crós. Crós Salem Shadownhite. É um prazer conhecê-los. -Apresentou-se ele, fazendo um leve movimento com a cabeça sem, contudo, tirar a capa ou mostrar o rosto.

Os pulsos de Ken se soltaram imediatamente. Crós também soltou as mãos de Alyson que se estatelou de bunda no chão. Ela olhou constrangida para o aliado que, sem saber, tinha tentado destroçar.

–O que você veio fazer aqui afinal… Crós? -Perguntou Ken, pegando sua espada e fitando o feiticeiro.

–A principio apenas acompanhá-los. A não ser, é claro, que acabem se metendo em confusão. Nesse caso teria um enorme prazer em lutar ao vosso lado.

–Quem lhe garante que eu vou me meter em confusão? -Rebateu a jovem, franzindo as sobrancelhas.

Ken e Crós, num momento de cumplicidade, coçaram as cabeças. Nem é preciso dizer que Alyson ficou vermelha como um tomate (sem saber ao certo se de vergonha ou de raiva).

A porta do hidroavião se escancarou e Cloe surgiu, arrumando os cabelos. Olhou para os dois amigos e exclamou: -Há-há, vocês estão aí. Não é melhor irmos logo, vamos acabar chegando tarde... -Ela viu Crós e parou:- Quem é você?

–Ele é o Crós... A gente explica depois. –Declarou Ken.

Alyson o fitou, aparentemente chocada.

–O que foi?

–Nada, só a sua facilidade de concordar com as coisas de vez em quando me deixa abismada. –Ela exclamou.

–Se ele quisesse nos matar já teria feito isso. Agora, podemos ir?

–Ok, ok. Vamos.

T ZT ZT ZT

A jovem passou as mãos pelos cabelos castanhos. Ela tinha a pele morena, e olhos castanhos avermelhados. Suspirou. Estava preocupada. O bip-bip insistente do comunicador a despertou da sua abstração. Pensou em tacar aquela coisa, que parecia mais uma caixinha de pó-de-arroz, preta com um dragão vermelho decalcado na parte de cima, longe... Mas resolveu atender. Abriu o comunicador e avistou a figura já conhecida na pequena tela. –Iris falando.

–Oi, Iris. A garota já chegou?

Iris suspirou e fitou a tela aturdida: -Sinto dizer, senhor... Mas não, ainda não.

–Sabe que não precisa me chamar de senhor o tempo todo, não é?

Silêncio.

–Tá, se tiver notícias da garota entre em contato.

–Sim senhor. –Ela respondeu, e fechou o comunicador, encerrando a conversa. Deixou-se afundar na poltrona macia, e seu rosto se nublou. A verdade é que sentia muita saudade dele. Não admitia, mas no fundo sabia que aquela distância estava matando-a, aos poucos. Mal podia imaginar que se separariam mais ainda.

T ZT ZT ZT

A noite desceu, e encontrou o hidroavião ainda no céu. Ken já estava morrendo de sono, e não havia nenhum lago, baía ou qualquer lugar em que pudesse pousar. Foi com extrema cautela que Crós chegou perto e perguntou, solícito: -Quer que eu pilote?

Em outras circunstâncias Ken diria não. Ele tinha deixado Crós vir com eles, mais não queria dizer que confiasse plenamente nele. Porém os seus olhos estavam pesados, ele estava muito cansado, e é preciso estar bem acordado para pilotar um veiculo aéreo. 1º porque caso tenha uma montanha no caminho, precisa-se de muita concentração para não bater nela. E 2º, caso ele bata na montanha, além da possibilidade de acabar morto, ele teria que explicar muita coisa para a polícia, o exército, a aeronáutica...

–Fique à vontade. –O rapaz alegou, deixando Crós sentar em seu lugar e se afastando.

Alyson ouviu seus passos pesados e arrastados de exaustão se aproximarem, e ele desabar no banco ao lado dela. –Cansado?

–Desesperadamente.

–Posso fazer uma pergunta, antes de você apagar?

–Diga.

–Por que não me contou?

–O quê?

–Sobre Diamante... Sobre mim

–Não sabia que era você.

–Só por isso? Podia ter me contado... Mesmo que não fosse eu, poderia ajudar você.

–Eu duvido muito.

–Acha que não posso cuidar disso?

–Você não consegue nem cuidar de si mesma. –Retrucou Ken, de cara feia.

–Mas é claro que sim. –Ela alegou.

–Então me explica por que você morreu.

Ela engoliu em seco: -Não confia em mim?

–E, você, confia em mim?

Alyson não sabia o que responder. Viu-se, de repente, sem palavras. –Você... Não respondeu a minha pergunta.

–Sinceramente? –Ele não soube o que lhe deu naquela hora, para que respondesse, indiferente: -Não, eu não confio.

Foi como se ela tivesse levado um soco no meio da cara. Uma fúria repentina se apoderou do seu corpo. A garota chegou perto do ouvido de Ken e sussurrou, com raiva: -Faz o seguinte: me esquece, finge que nunca me conheceu, que nunca sequer olhou para mim...Porque é isso que vou fazer com você daqui para frente... –E saiu, deixando o rapaz pasmo e se culpando por ter dito o que não devia. Foi para frente, onde estavam os outros, conversando animadamente, enquanto enxugava uma lágrima que teimou em escorrer pela sua face. Sacha notou o movimento e se preparou para ir consolá-la: -O que houve?

–Nada. É só um cisco que caiu no meu olho.

Sacha podia ser muito desligada para acreditar nisso, mas Cloe não era. Ela olhou discretamente para Ken, balançando tristemente a cabeça. Mas ele não retribuiu o olhar. Estava ocupado demais pensando na besteira que tinha acabado de fazer. Seu celular tocou. Sem prestar muita atenção, atendeu: -Alô?

–Oi, sou eu. Onde você está?

–Vou para a Inglaterra.

–Fazer o quê???

–Você está cansada de saber o que é que eu vou fazer lá, Ki. –Ele retrucou.

–Vou com você!

–Não acho que seja...

–Por favor, estou bem grandinha para me cuidar sozinha, pare de ficar bancando o protetor. Vai me esperar?

Ele coçou a cabeça: -Tá, tá. Encontro você em Wiltshire.

–Está bem. Tchau, paixão. Adoro você.

–Também te adoro.

O rapaz desligou, e respirou fundo. O hidroavião continuou seu curso, rumo ao desconhecido, e levando de bagagem tristezas, arrependimentos, mentiras, medos e corações partidos.

T ZT ZT ZT

Ela desligou o celular.

Era loira, de olhos verdes e tez clara. Os cabelos estavam presos num rabo de cavalo alto. Vestia uma camiseta preta simples, uma calça jeans rasgada e um sobretudo preto, cumprido até um pouco acima dos joelhos. Uma sandália gladiador, também preta, ornamentava seus pés delicados. Tinha acabado de chegar no apartamento em que morava sozinha, num hotel grande que ficava bem no centro de Tóquio. Carros passavam lá embaixo, fazendo barulho.

A moça, de 20 anos, pegou uma agenda de telefone e folheou, parando num número de uma pequena agência de viagens da cidade. Pegou novamente o celular e discou o número. Não demorou muito para uma mulher atender: -Boa noite. Em que posso ajudar?

–Boa noite. Gostaria de saber se tem algum avião, partindo ainda hoje, com destino a Inglaterra. –Ela pediu, educadamente, enquanto puxava duas malas de viajem debaixo da cama. Foi tirando roupas do armário, andando por todo o apartamento, separando isso ou aquilo.

–Um momento, por favor.

Ela esperou pacientemente a mulher responder, enquanto enfiava as roupas dentro de uma das malas. Fechou as janelas, guardou o pote de biscoitos que estava beliscando antes de ligar para Kem e arrumou a cama. A mulher tinha retornado ao telefone, e informou, prontamente: -Há um vôo para a Inglaterra, que sai as 23:00h.

A moça olhou para o relógio. Eram 20:30h: -Ainda tem lugares nesse vôo?

–Sim. De quantos precisa?

–Só um, por favor.

–Seu nome, senhora?

–Senhorita.

–Perdão. Senhorita, pode informar seu nome?

Ela abriu um largo sorriso e respondeu: -Kira. Kira Himura.

T ZT ZT ZT

–Nem vem.

–Por que não? -Perguntou Hiei, de braços cruzados, fitando o amigo de longa Mitaray.

–Por todos os Deuses! Eu não vou arriscar a minha vida para entrar na Equipe Black. Para eles estarem aceitando novos integrantes deve ter uma boa razão, eu sei disso, porém...

–Lá vem você com seus poréns. Mitaray, temos uma chance única na vida. A Sede Black é o maior centro avançado de treinamentos de Diamante inteira. E, se eles estão recrutando aliados, como você mesmo disse, deve ser porque precisam de ajuda. Sabe bem o que Mestre Aragorn diria...

–Eu diria que se alguém precisa de ajuda, devemos ajudar, certo? -Alegou Aragorn, o mestre deles, entrando na sala.

–Eu disse que ele ia concordar. -Comentou Hiei, escondendo um risinho de deboche. Mitaray, entretanto, não se deixou abalar. Era um rapaz calmo, de 22 anos, cabelos cinzas meio espetados, olhos também cinzas e pele clara. Seu jeito educado e tranqüilizador o tornara um galã de primeira sem querer, mas não tinha namorada. Nunca se apaixonara por ninguém, e, por incrível que pareça, não era nem um pouco galinha. Era também muito inteligente, dono de uma beleza invejável e raramente perdia o controle.

–Eu só queria dizer que essa história está muito estranha. Conhecemos bem a Iris e, venhamos e convenhamos, ela não é do tipo que pede ajuda a qualquer um, ainda mais quando se trata de impedir o avanço de Haradja. -Comentou Mitaray.

–Por isso mesmo que ela vai fazer uma prova. E não esperem que seja moleza se bem conhecemos aquela fada. Particularmente, eu sugiro que vocês dois se inscrevam. Nossa amiga deve precisar de ajuda, e não é educado negarmos nosso serviço. Além do mais, eu ensinei muita coisa a vocês. Com certeza vão se dar bem.

–Sim senhor! -Os dois obedeceriam, como de praxe.

–Partam amanhã cedo. Não vão querer se atrasar, tenho certeza. Aposto como Farem deve estar um caos. Há mais uma coisa. Se conseguirem ingressar na Equipe Black, voltem daqui a quatro semanas. Vou ensinar um último truque, muito útil. -Pediu Aragorn, se retirando da sala para ir se deitar e completando. -Boa noite. E se eu não vê-los amanhã, boa viagem e boa sorte.

–Boa noite, Mestre. -Desejaram os dois juntos.

–Viu, eu tinha razão. -Troçou Hiei, com cara de vencedor. Ele contrastava bastante com o amigo. Tinha a mesma idade, mas era levemente moreno, tinha cabelos curtos e castanho avermelhados, olhos castanho claros e um espírito brincalhão. Adorava implicar com o amigo (apesar deste não dar a mínima confiança). Era carismático, fiel e também muito bonito.

–Sério? -Ignorou Mitaray, bocejando.

–É, sério. É tão bom estar certo...

–Uma vez na vida, para variar.

–Que quer dizer com isso?

–Nada, Hiei, nada. Agora é melhor irmos dormir, temos que levantar cedo amanhã. -Alegou Mitaray, levantando do sofá e se dirigindo ao seu quarto, deixando Hiei na sala, resmungando baixinho e se perguntando se algum dia poderia tirá-lo do sério.

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Mensagem por Convidado Dom Jul 21, 2013 7:34 pm

Bem demorei um tanto mais conseguir, como já disse eu acho super interessante isto de vida e morte, e o intermediario entre os dois mundos sabe?
E isso de um mundo... a morte... eu fiquei perplexa, por favor poste mais eu realmente estou adorando isto, eu acho interessante essas coisas de missões, parabéns, realmente publica.

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Mensagem por Convidado Dom Jul 21, 2013 10:54 pm

Obrigada, fico feliz que alguém tenha gostado *---*
Vou publicar sim... vai demorar ainda para terminar, mas está mais rapido agora... será uma trilogia... os pontos bases já estão criados até o segundo...
Bom... na realidade ainda tem acho que... dois ou três capitulos para a sua alegria...rsrs
É que minha amada irmã usurpou minha net e eu tive que fechar... mas vou continuar e deixo para que leia amanhã, pois não entrarei...
Mais uma vez, muito obrigada >.<

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Mensagem por Convidado Dom Jul 21, 2013 11:20 pm

3-Remorso (Parte 1)



“Alyson, acorde”.

“Não quero”

“Mas precisa. Estamos chegando a Europa”.

“Quem é você?”.

“Alguém muito especial na sua vida”.

“Mas... quem?”.

“Não convém que você saiba agora... mas vai descobrir”.

“E vai demorar muito tempo para isso?”.

“Talvez. Lembre-se que o tempo foi criado pelos seres humanos, na tentativa fútil de dizerem que vivem muito. No fundo, o tempo não existe. Mas isso não quer dizer que você está mais perto de saber quem eu sou ou quem é. A vida é feita de instantes. E o seu ainda está longe de começar. Ainda.”

“Eu não gosto de esperar”.

“É preciso paciência na arte de aprender. Por isso, também precisa acordar”.

“Eu não sei o porquê, mas... às vezes tenho vontade de deitar, fechar os olhos e nunca mais acordar”.

“Esse é um pensamento um pouco egoísta. Eu sei o que se passa em sua mente e em seu coração. Também sei porque não quer despertar. Mas acredite, dormir pela eternidade não é o melhor jeito de resolver essa situação. Acredite em mim... Vai passar”.

“Tomara que esteja certa”.

“Eu estou. Agora você precisa despertar para a vida que segue. Precisa abrir os olhos e enfrentar seus medos, por mais uma vez”.

Alyson abriu os olhos e a claridade inesperada a cegou momentaneamente. Ela piscou repetidas vezes para se acostumar com a luz, se ajeitou na cadeira e espreguiçou-se. Estava pensativa. Perguntava-se de quem seria aquela voz que sempre se manifestava quando ela mais precisava. Nos momentos mais sombrios de sua existência. Na primeira vez que se manifestou parecia ser de uma mulher incisiva, que não tinha receio de revelar sua morte.

Mas desta vez era calma e tranqüilizadora. Como a de uma mãe, que se concentra em passar uma lição importante para a filha, da melhor maneira possível. Olhou pela janela e teve a agradável sensação de poder constatar que a Europa estava entrando no seu campo de visão.

Foi tirada da sua admiração por Cloe, que a cutucou com uma caneta. Tinha os cabelos cacheados presos em um rabo-de-cavalo, e segurava uma daquelas revistas de palavras cruzadas. -Bom dia, Bela Adormecida. Pensei que tinha desligado de vez.

-Quem me dera.

-Olha, sem querer me intrometer na sua vida, mas...

-Mas?

-Brigou com o príncipe encantado, foi? -Perguntou Cloe, num fio de voz, enquanto apontava a caneta para Ken.

-Acho que não é tão príncipe encantado assim. Transformou-se num sapo da noite para o dia. -Alyson resmungou, num sussurro.

-Você ouviu o que ele tinha para dizer?

-Ouvi. Por isso estou assim.

-Se eu fosse você, ia conversar com ele. Seja lá o que for que ele disse, pode ter sido sem querer. Sem pensar.

-Eu não sei... Estou muito zangada com ele. E não quero perdoar, nem voltar atrás na minha palavra.

-Mas, Ly… -A jovem fez uma cara enfezada ao ouvir o apelido, mas Cloe a ignorou, continuando: -Não deve jogar no lixo uma coisa que você quis tanto conseguir.

-Tem certas coisas que não podem ser perdoadas, Cloe.

-Eu sei... Olha só com quem você está falando, eu nunca fui conhecida por ser especialista em romance. Só Deus sabe quantos erros eu cometi em dois anos. Você só sabe de alguns. Mas você... Sei lá, o Ken te olha de uma maneira que eu sempre desejei que olhassem para mim. Sei que a vida é sua, mas cuidado para não fazer uma escolha da qual você vai se arrepender mais tarde.

-Pode deixar, eu vou pensar bem. Mas não quero falar com ele, por enquanto. Pode dar tudo errado, nós dois brigarmos mais uma vez e a situação pode ficar pior. -Comentou Alyson, levantando-se com Cloe e indo para o pequeno compartimento de cargas, onde estavam alguns alimentos que eles compraram na última parada.

-Mas deixando essa história para lá e voltando para a viagem, vamos descer daqui à uma hora. -Disse Cloe.

-Já?

-Ora essa, você acha mesmo que vamos passar por Paris e não vamos aproveitar a oportunidade?

-Paris, é? -Repetiu, e as duas cantarolaram, brevemente: -Ulala!

-E vamos dar uma paradinha em Veneza também, então não se espante.

-Espantar? Essa é a melhor viagem que eu já fiz na minha vida. -Admitiu Alyson, completando, fechando os olhos e abrindo um sorriso: -Veneza e Paris!

-Não se empolga muito não, é só uma PARADINHA. Lembra, não podemos perder tempo. -Avisou Cloe, abrindo uma lata de Pepsi e colocando um canudo dentro.

-Mas é claro que não. -Se defendeu a jovem, fazendo o mesmo que Cloe e sugando o refrigerante. -Eu nem pensaria em deixar Diamante em segundo plano para passear em Veneza.

-Sabe que não foi isso que eu quis dizer. É que você anda meio distraída, só isso. -Desculpou-se Cloe, pegando um pedaço de bolo junto com Alyson e a acompanhando até a cabine, onde Ken dirigia e Crós tentava explicar os efeitos da poção “luz da meia noite” para Sacha, sem muito êxito.

-Bom dia para vocês. -Saldou Alyson, sentando-se ao lado de Crós. -Por que não tira essa capa, está muito calor.

-Estou bem assim. Acredite.

-Ah, eu acredito sim, se acredito. –Ela retrucou, torcendo as mãos onde minutos antes estava um pedaço de bolo.

-Você tem que se acostumar a acordar cedo, pirralha. Lá na Sede Black você não vai ter essa moleza não, viu?

-Tá me chamando de preguiçosa, é? -Perguntou a jovem, ficando escarlate.

-Não, só estou fazendo um comentário inocente. -Alegou Crós, calmo como se nada tivesse acontecido.

Ken fez um esgar e concentrou-se novamente nos controles da aeronave. Cloe, que havia se encostado na poltrona dele, abaixou a cabeça discreta e murmurou no seu ouvido: -Fica esperto. Vai perder ela se não resolver agir.

-Eu já me acalmei, já refleti e já me arrependi. -Protestou Kem. -Quer que eu faça mais o quê?

-Fale com ela.

-Para quê? Para brigarmos de novo? Olha eu gosto muito dela. Muito mesmo...

-Dá pra ver.

-Mas eu sei que estou fazendo ela sofrer. Entende? Se é melhor para ela ficar longe de mim, então vou me afastar.

-Chegou a essa conclusão faz muito tempo?

-Na realidade, pensei nisso agora.

-Viu só? Você não pensa muito antes de dizer certas coisas. Faz o seguinte: pensa com carinho em todos os detalhes e fala com ela... Não custa nada. -Aconselhou Cloe, e, abaixando mais ainda a voz, avisou: -E de preferência, não demora muito não, porque daqui a alguns minutos vamos descer em Paris. E sabe que aqui está cheio de rapazes lindos e românticos. Se não tomar cuidado, Ken, outro vai acabar pescando o seu peixe.

-Vou me lembrar disso.

-Pro seu bem, acho bom lembrar mesmo. -Ela concluiu, e se afastou.

T ZT ZT ZT

-Aaron! Aaron, onde raios você se enfiou? -Berrava a plenos pulmões uma jovem de 17 anos. Ela parou no meio do corredor, inspirou profundamente e gritou novamente: -AARON!!!!!

-O que foi, o que houve? -Retrucou um homem de 25 anos, cabelos arrepiados e olhos azuis imponentes. -Oi, Dayana.

-Onde você estava, em? Procurei você na Sede Black inteirinha!

-Sala das Máquinas, subterrâneo, ala B. Satisfeita? Agora me explica porque você está berrando o meu nome aos quatro ventos.

-A Iris está te chamando. Disse que é urgente. -Dayana respondeu, prontamente.

-Onde ela está?

-Conversando com o Senhor do Palácio de Granito... Pelo computador.

Aaron deu um sorriso amargo e retrucou: -Estou indo... Por mais que ver aquele idiota me doa.

-Ele não é uma pessoa má.

-É. Mas poderia estar aqui agora se não fosse tão tolo.

-Também acho isso, mas...

-Você é jovem demais para entender, Dayana. Até mais... -E, dizendo isso, se afastou.

Aaron atravessou o corredor, deu um “olá” básico para Taylor (outra integrante da equipe), e entrou na saleta em que ficava o computador. Iris tinha acabado de cortar a ligação com o Palácio de Granito, o que fez Aaron dar um suspiro antes de entrar na saleta. Ele pigarreou para avisar a comandante que havia chegado e foi para seu lado. Iris estava lívida, os olhos fixavam o nada e parecia que um caminhão a havia atropelado.

-Ainda não chegou?

-Ainda não. Isso está me cheirando à encrenca. -Retrucou Iris enrolando uma mecha de cabelo no dedo indicador. -Já mandei o Crós buscá-la há dois dias. Ele devia ter se comunicado.

-Talvez as ondas transmissoras dos nossos comunicadores não estejam conseguindo ultrapassar a fronteira com o Mundo Real. -Sugeriu Aaron, despreocupado. -Sabe que nossas ondas são um pouco diferentes das do lado de lá.

-Claro, claro, sei disso, Aaron. Mas... Sei lá, não estou com um bom pressentimento. Estou encucada desde anteontem com alguma coisa, e não sei com o que.

-Talvez não seja por causa da demora.

-Pois é. Mas é bem melhor prevenir do que remediar. Vou tentar mais uma vez fazer contato. Mas também tem outra coisa que está me intrigando.

-O que?

-Haradja não anda dando sinal de vida. Faz um bom tempo que ela não tenta sair da Torre da Perdição. Não tentou mais botar as patas para fora do seu domínio... É estranho.

-Tenho que concordar. Deve estar tramando alguma.

-Com toda a certeza. Temos que ficar de olhos bem abertos, meu amigo. Arregalados, se preciso.

Aaron assentiu com a cabeça e perguntou: -E quanto à prova de amanhã?

-O Caminho da Ilusão está pronto?

-Quase.

-Sem problemas então. -Alegou Iris, dando um sorriso e completando, outra vez sombria: -Nicolas disse para vocês ficarem aqui na Sede. Haradja pode atacar enquanto eu e Crós monitoramos a prova.

-Você só pode estar brincando se acha que eu vou obedecer a uma ordem dele.

-A ordem é minha. Ele só concordou. Agora anda logo e avisa aos outros. -Ela mandou e virou-se para o computador novamente.

Aaron fez uma careta de insatisfeito, mas não ponderou. Apenas disse um “sim, senhorita”, totalmente desnecessário e saiu da sala. Quando a Iris dava uma ordem, era bom que obedecessem. Todos, de preferência. Você, caro (a) leitor (a) já deve ter ouvido falar no ditado: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo!”.

No caso da Iris, ele se encaixava muito bem. E falando nela, uma sombra de preocupação invadia seu rosto, enquanto fitava sem enxergar a paisagem que formava o papel de parede do monitor.

T ZT ZT ZT

-Droga! -Resmungou Cloe, enquanto massageava a mão que ela havia cortado, sem querer, com uma faca. O sangue começou a brotar do ferimento, fazendo a jovem xingar feito uma possessa. Ela estava tentando desencapar uns fios, e a faca escapou de seus habilidosos dedos, indo cravar-se, como já foi dito, na sua mão esquerda. Lágrimas vieram aos seus olhos, tornando a sua visão um pouco embaçada.

Desse jeito ficava meio difícil ela divisar onde estava a caixa de primeiros socorros, a qual havia deixado ao lado de si por desencargo de consciência. -Mas que droga... -Ela secou os olhos com o dorso da mão boa e conseguiu finalmente ver a caixinha (que estava na posição justamente contrária a aquela que Cloe estava olhando, minutos antes).

Sem se alarmar, pegou rapidamente uma gaze, limpou o sangue, aplicou um pouco de álcool e fechou o ferimento com outra gaze. Passou uma faixa rapidamente para ter certeza de que ia ficar bem seguro, prendeu com esparadrapo e olhou de soslaio para os fios, a maioria desencapada, que tinham feito ela perder seu precioso tempo.

Sem demora guardou-os. Era melhor deixar para outra hora, antes que ela acaba-se cortando a outra mão. Pensou com alegria que logo estaria em Paris. Se você, caro (a) leitor (a) procurar um Atlas vai perceber que nem de longe Paris e Veneza estão em meio caminho da Inglaterra. Não, isso não é um erro de calculo. O que aconteceu é que durante a manhã, Kem e os outros (exceto Alyson, que estava dormindo), receberam um comunicado de uma agencia de vôo avisando que seu avião ia passar por aquela rota original, mas ou menos na mesma hora em que eles passariam também por ela. Pra evitar discussões desnecessárias, Kem mudou o rumo, dando a volta, e entrando na Europa pelo espaço aéreo Francês.

Cloe foi para a cabine onde os outros estavam. Alyson tinha o pensamento longe, muito longe mesmo, perdido no vazio da sua própria mente. Kem estava concentrado na direção, como sempre. Sacha fitava tranqüilamente as unhas, pintadas de rosa berrante. Crós lia um livro calmamente, sentado na cadeira do co-piloto. O silêncio mortal só era rompido pelo motor do avião. Cloe olhou para um de cada vez e parou junto a Sacha, que tirou os olhos da sua mão dizendo um “oi” para cravá-los na mão enfaixada de Cloe. Fez uma careta de quem não entendeu nada, o que era bem típico.

Ken quebrou o clima estranho avisando, em alto e bom som: -Vamos pousar. -E completando, fazendo voz de comissária de bordo: -Senhores passageiros, por favor dirijam-se aos seus devidos bancos e apertem os cintos.

Todos obedeceram prontamente, dando boas gargalhadas, menos Alyson, que se sentou calada e se afundou em sua “semi-inconsciência” novamente. O hidroavião começou a descer lentamente, e logo eles puderam ver a Torre Eifel ao longe.

T ZT ZT ZT

O avião pousou em um lago, perto do Arco Do Triunfo, e todos saíram juntos. Logo estavam andando pelas ruas movimentadas, os olhos sendo iluminados pelo sol e pelas fachadas de beleza rara ao seu redor.

Alyson abriu um sorriso de admiração enquanto passava, mas logo se controlou. Tinha coisas mais urgentes para pensar... Entre elas perguntas urgentes ainda sem resposta plausível.

-Vamos tentar não ficarmos muito tempo por aqui, crianças… -Dizia Crós, antes de ter sido interrompido por olhares ameaçadores. -Perdão, jovens. Ainda temos que procurar um amigo meu em Veneza, e pretendo que todos nós atravessemos o portal ainda hoje.

-Ok, Já entendemos. -Replicou Cloe, ajeitando a boina em estilo parisiense.

Alyson tinha ficado mais atrás e, com um olhar assustado, viu uma sombra negra passar bem ao seu lado. Ela seguiu-a com o olhar e viu o ser virar uma esquina. Continuou observando pelo canto dos olhos, enquanto andava para frente. Ken, que vinha logo a sua frente, também sentiu algo e virou-se. Os dois se chocaram.

-Posso saber o que você pensa que está fazendo? -Perguntou ele, olhando em volta, provavelmente em busca da fonte de energia maligna. A garota, que já se preparava para ir atrás da sombra antes da colisão, se desconcentrou e o encarou: -Eu? Foi você que virou do nada e ainda por cima sem avisar...

-Se estivesse olhando para frente em vez de para as vitrines isso não teria acontecido.

-Eu não estava olhando para as vitrines... –Ela protestou. -Espera ai, você não viu?

-Não vi o que?

-A sombra... Passou do nosso lado.

-Eu senti alguma coisa passar por mim. Apenas isso.

-Deixe-me adivinhar... Acha que estou louca?

-Vai começar... E você não disse que ia fingir que nunca me conheceu? Vamos logo, antes que o Crós fique reclamando.

-Francamente! Tenho certeza que não é com o Crós que está preocupado, não é?

-Francamente digo eu. Você está ficando paranóica!

-Eu discordo. Diria que está com medo.

-Com medo de que, sua fedelha desequilibrada? -Questionou Ken virando-se e apertando o passo para alcançar os outros. Alyson foi ao seu lado...

-Você gosta de mim, Ken, pode negar até para si mesmo o quanto quiser. Tem medo de que eu conheça aqui alguém muito melhor do que você, e que eu prefira ficar aqui com ele a ir contigo. Tem pavor de me perder. Negue, se puder.

Kem continuou calado, seu rosto impassível. Ela questionou: -É verdade, não é?

-Não, você está completamente enganada. -Era uma grande mentira, e ele estava ciente disso.

Alyson calou-se e ficou remoendo sua dor em silêncio. Então, tudo que ele lhe dissera depois de ela ter voltado à vida era mentira? Era complicado... Muito complicado. Eles se juntaram aos outros. Estavam à frente da Torre Eifel. Um rapaz claro, de cabelos acaju e olhos claros estava sentado confortavelmente numa cadeira. Devia ter a idade de Kem. Na sua frente havia uma mesa e mais três cadeiras. Ele usava uma boina preta, um sobretudo marrom sobre uma camisa comum branca e calças jeans.

Em suas mãos repousava um falcão, de penas escuras e olhos tão aguçados como deviam ser as garras que se prendiam a mão do rapaz, sem machucá-lo. O passaro era um exemplar dos menores, mas mesmo assim apresentava uma postura de dar medo, uma graciosidade digna de sua espécie e ar de indiferença, apesar de estar atento a tudo em seu redor.

A prova do ultimo item veio quando o grupo se aproximou: a ave piou alto e girou a cabeça para o rosto do dono, piando pela segunda vez, agora mais baixo. O rapaz pareceu entender o recado, porque logo olhou em direção ao grupo. Cloe sentiu um arrepio. Apesar de ser um olhar inocente, penetrava tão fundo como o do falcão. Era quase desconfortante. Parecia que ele poderia ler o que se passava na mente dela só com olhos.

Ela desviou os olhos e ele voltou a olhar para o magnífico monumento a sua frente. Seus lábios se contraíram levemente e ele disse, numa voz cristalina: -Merveilleux, non? -Mas notando o silêncio e a cara de “em? Eu não falo Francês” deles, repetiu em português: -Maravilhosa, não?

O grupo se entreolhou. De que ele estava falando?

Alyson, um pouco mais ligada agora, acotovelou Crós de leve e informou, de um modo que só eles pudessem ouvir: -A Torre Eifel. Ele está falando da Torre Eifel.

O feiticeiro ficou visivelmente constrangido e replicou, no mesmo tom: -Eu sabia.

-Sei, vou fingir que acredito. - Retornou a jovem, debochada. E se aproximando do desconhecido, respondeu, finalmente, a sua aclamação: -É, concordo com você.

Ele deu um sorriso satisfeito e fitou o grupo de novo. Principalmente, claro, a bela garota de cabelos negros e olhos castanho-esverdeados que o respondeu. -O que quatro brasileiros andam fazendo por aqui?

-Como sabe que viemos do Brasil? -Questionou Cloe.

-Vocês falam português mas não tem aquele sotaque forte de Portugal. E conheço um brasileiro quando vejo um. É uma questão de… Jeito de ser. -Ele respondeu. -A propósito, meu nome é Francis. E vocês, quem são? -Ele levantou-se, e o falcão alçou vôo, indo pousar na Torre, mas sem desgrudar os olhos do dono.

-Me chamo Alyson. -E, fazendo um sinal vago, apresentou os outros, completando depois: -É um prazer conhecê-lo.

-Digo o mesmo, mademoiselle. -Alegou Francis, pegando a mão de Alyson e beijando-a, olhando em seus olhos, ardentemente.

Cloe olhou de imediato para Ken, que fitou o céu com ares de “eu não precisava ver isso” e pelas aparências, zangado. Sacha soergueu as sobrancelhas, e Crós sacudiu levemente a cabeça, replicando: -Jovens!

Alyson, sem jeito, tirou a mão das dele.

-Mas então, o que pessoas como vocês fazem aqui?

-Turismo. -Responderam todos, ao mesmo tempo (não deixava de ser uma verdade, em parte).

-Podem dizer a verdade. Sei bem o que vocês não estão aqui para ver maravilhas de arquitetura, ainda mais porque Crós está os acompanhando. Conheço esse feiticeiro de longa data. Não é, colega? -Alegou Francis, olhando para ele.

As meninas e Ken se viraram no mesmo instante para Crós que, sempre envolto em sua capa e seu capuz, não deixava ver a expressão de surpresa que havia em seu rosto. De repente pareceu lembrar-se, pois deu uns passos à frente e retirou o capuz, para a extrema surpresa dos seus acompanhantes. Isso porque seu rosto era a coisa mais surpreendente que os outros viram: os olhos amarelos, de gato. Duas grandes orelhas negras, um bigode felino, dentes afiados como de um vampiro. Ele tinha aparência de vinte e sete anos, mas poderia ter mais. Os cabelos eram negros lisos e compridos, presos em um rabo de cavalo pequeno. Parecia mais meio gato do que a Alyson transformada.

-Uau! -Deixou escapar Cloe, enquanto os dois se encontravam e davam um abraço camarada. -Você diria que ele é um gato, Alyson?

-Nem passou pela minha cabeça. -Confessou a garota, sem parar de olhar o feiticeiro. -Era por isso que ele andava sempre de capuz.

-Gato nos dois sentidos. Pena que é velho demais pra mim. -Contestou Sacha.

-Sacha! -Repreenderam os três.

-E se verem ele? -Questionou Kem. Crós devia ter escutado, pois voltou para ele o olhar e tranqüilizou: -Fica frio. Tem uma barreira de proteção aqui em volta que nos torna invisíveis a olhares comuns. Porque não pensei nisso antes?

-Podem explicar essa confusão toda, vocês dois? -Retrucou Cloe.

-Simples. Francis é um feiticeiro de Diamante, como eu. É o guardião das pedras mágicas.

-Um guardião?

-Do outro mundo?

-Aqui?

-Pedras mágicas?

Ken, Jade, Cloe e Sacha perguntaram, sem entender.

-É, um guardião. Que guarda algo. -Disse Francis, respondendo a pergunta do primeiro.

-Sei o que significa. -Retrucou o rapaz, fechando a cara.

-Não foi isso que ele quis dizer, Ken. -Avisou Crós. -Retornando as explicações: Francis nasceu em Diamante, e é um viajante de mundos. Deveria estar em Veneza, mas isso não vem ao caso agora. Repetindo, ele é um feiticeiro poderosíssimo, como eu, e um guardião competente. Quanto às pedras mágicas, são pedras que são usadas para trancafiar um imortal. E a imortal em questão é Haradja.

-A assassina? -Perguntou Alyson, de imediato.

-A própria. Pois, para o nosso azar, ela é imortal. São sete pedras: rubi do fogo, quartzo do ar, topázio da terra, água-marinha da água, diamante de luz, Ametista das trevas e berilo das asas. Contida em cada uma delas está uma criatura mágica. Todas elas juntas formam a pedra da guerra, que pode prender Haradja em seu interior pelo tempo que a pessoa que estiver controlando-a desejar.

-Que ótimo. Tenho que deter uma assassina sanguinária, cruel e muito forte, e advinha: ela é imortal! -Enumerou Alyson, de mau humor, e completando, sarcástica: -Estou adorando isso!

-É melhor esfriar um pouco. -Ponderou Crós.

-É sério, Crós, como você espera que eu bata de frente com uma imortal? Não consegui nem vencer você!

O feiticeiro olhou-a de cima a baixo contrariado e alegou: -Vou considerar isso como um elogio.

-Não foi isso que eu quis dizer. -Ela se desculpou. -Se eu não consigo ganhar dos mortais, quem dirá de alguém que não pode morrer?

-Para isso serve as pedras. Acha que as temos só por esporte?

-Mas como vocês as conseguiram, falando nisso? -Questionou Ken, interrompendo Alyson, que ia responder, e muito mal.

-Com um pouco de sorte, eu acho. Essa história vai ficar para um outro dia. -Emendou o meio-gato, dando um bocejo. -Não podemos demorar muito por aqui. Não querem dar uma volta antes de partirmos?

-É uma boa... - Cloe foi interrompida por um pio agudo do falcão de Francis, que desceu do seu observatório suavemente e pousou no braço estendido do dono.

-O que foi, Hunter? -Interrogou Francis. A ave bateu furiosamente as asas por alguns segundos e piou outras vezes, tão agudamente que Alyson e Cloe precisaram tapar os ouvidos, por serem as duas com a audição mais sensível. Hunter finalmente calou-se, começando a movimentar a cabeça, fitando todas as direções possíveis.

Cloe destapou os ouvidos. -O que foi isso?

-Estamos sendo cercados. -Respondeu Francis, acariciando o passaro, para tentar acalmá-lo.

-Pelo quê, exatamente? -Perguntou Crós, vendo o colega puxar uma besta de uma grande mala, abaixo da mesa.

-Avantesmas. -Ele respondeu, completando: -Deixam os animais muito nervosos. Afinal, animais são... Muito sensíveis a presenças ruins.

-Avantesmas? -Questionou Cloe.

-Espectros... Das trevas. São comuns por aqui. Não são um problema muito grande. -Explicou Francis, colocando uma flecha prateada na besta e virando-se para os outros. Hunter, que repousava no ombro dele o tempo todo, alçou vôo e ficou rodeando o grupo, lá em cima.

-Estariam do lado de Haradja? -Crós perguntou, olhando para a tropa de avantesmas que chegava mais perto. Eram sombras que tomavam forma humana, de olhos vermelhos e cimitarras nas mãos. Alyson reconheceu prontamente o que era aquilo que passara ao seu lado minutos antes. Já Kem também reconheceu a sensação maligna tomar novamente conta de seu corpo.

-Se estiverem, aí sim estaremos com problemas sérios. -Disse Francis, finalmente respondendo a pergunta de Crós.

Alyson fez uma careta e, instintivamente segurou o cordão, dando um passo atrás e se transformando. Sentiu seu corpo ser tomado por expectativa. Como se a guerra a convoca-se. Um desejo latente e selvagem de lutar, de brandir uma espada, de despedaçar seus inimigos. Estava começando a libertar o felino que residia em seu interior.

Francis jogou para ela dois bastões metálicos de meio metro. A jovem pegou-os e olhou para ele, que deu um sorriso e alegou: -Para não despedaçarem o seu lindo rosto.

Ela franziu levemente as sobrancelhas. Como se precisasse. Agradeceu com um aceno de cabeça e rodou os bastões entre os dedos. Eles se abriram em dois leques, de pontas aguçadas, lados afiados e revestidos por prata. A garota se surpreendeu, parou o movimento e olhou para as armas, e depois para seu dono. Este devia estar se divertindo com a cara que ela fez, pois deu uma risadinha e garantiu: -É quase indestrutível. Palavra de escoteiro.

-E você foi escoteiro?

-Nos tempos remotos da minha existência. -Ele proferiu, como se estivesse decepcionado.

Ela se perguntou quantos anos ele teria e como deixar claro, sem o magoar, que não estava interessada.

E, como uma onda descomunal, como uma tempestade de areia... Os avantesmas atacaram. Foi o tempo de Kem puxar a espada e atacar o primeiro que ameaçou decepar sua cabeça. Mas verificou a pura e dura realidade. Por mais que cortasse aquela coisa, mais rápido ela se regenerava, e mais forte ficava. A espada só o defendia dos ataques das cimitarras. Grande coisa. Ia acabar morto, estraçalhado por aquelas coisas. Será que comiam carne humana?

Alyson já tinha vários corpos aos seus pés quando percebeu o problema de Ken. Também, ele era o único que estava a vista. Todos os outros estavam longe demais para serem distinguidos do lugar em que ela estava. Fitou o jovem por um longo momento enquanto evitava outro golpe. Tateou o interior do bolso do casaco que usava. Seus dedos tocaram algo como uma corrente. Ela puxou. Era uma corrente fina, de prata, com um pingente, do mesmo material, em forma de um gato. Imediatamente deu um grito: -Ken! Pega! -E atirou o cordão para ele. No mesmo instante os avantesmas que estavam ao redor dele se afastaram. Foi ai que Ken percebeu... Que a única coisa que eles temiam, e que poderia matá-los... Era a prata. Reconhecia aquele cordão. Foi o presente que ele deu para Alyson no seu aniversário de dezessete anos. Cloe tinha razão. Ele era, realmente, muito burro. Sorriu para a garota em retribuição e sentiu o sangue gelar quando um avantesma chegou atrás dela... E foi recebido com um soco no meio da cara. Ela estava mais atenta do que parecia. Kem deixou escapar um suspiro de alivio, e amarrou a corrente no punho, distribuindo socos eficazes para todos os lados.

Agora a jovem estava preocupada com os outros. Uma grande explosão abriu caminho para o seu lado esquerdo. Um susto tremendo, aliás. Devia ter sido Crós. As meninas deviam estar com ele, ela viu quando a tropa atacou e crós as puxou para trás de si. Droga. Desconcentrou-se pensando nisso, e logo outro avantesma fez um movimento com a cimitarra. Ela virou-se bem a tempo de ver uma mão prateada com grandes garras atravessar o peito da coisa, fazendo-a largar a cimitarra e despencar no chão. Qual não foi a surpresa de Alyson ao ver que a dona da mão era Cloe... Agora com duas orelhas pontudas de lobo e uma pequena cauda. E, para completar, um cordão pendurado no pescoço, com uma lua crescente e azulada como pingente.

-Como é que você...

-Não faz pergunta difícil agora não. -Retrucou Cloe, mostrando as mãos, cobertas por uma luva de prata. -Gostou da luva? Peguei no arsenal do Francis, acho que ele não vai se importar...

-E a Sacha?

-Já pedi para não fazer perguntas difíceis. Mas deve estar com o Crós.

-Bom saber. -Alegou Alyson, cortando a cabeça de um espectro, enquanto Cloe transpassava outro com suas garras (e a ajuda da luva de prata, claro).

Cloe olhou ao redor: -E o Ken?

-Também não posso responder perguntas difíceis agora. -Zombou a garota, completando: -Deve estar por ai, socando algum avantesma desprevenido...-Ela não terminou de falar. Algo bateu em sua cabeça com muita força, fazendo com que ela desmaia-se. A parte detrás de uma cimitarra, na realidade. Cloe amparou-a na queda, vendo suas próprias mãos sujas de sangue. Com certeza não era o sangue dos avantesmas que ela tinha matado, visto que este era vermelho vivo, e o das criaturas era preto como carvão.

-Droga. -Xingou Cloe, olhando ao redor, procurando ajuda. Procurando por Ken. Já não havia tantos avantesmas, mas os que restavam formavam um circulo em volta delas, enquanto os outros cercavam os amigos delas, o que dificultava a visão. O circulo foi se fechando, mas as coisas não atacavam. Esperavam as ordens de um mundo distante, para acabar com a raça daquelas duas. Uma ordem, talvez, de Haradja.

Cloe engoliu em seco. Não havia como sair dali. Se soltasse Alyson para atacar, matariam ela. Se ficasse ali parada, matariam as duas. Fechou os olhos, para pensar ou para não ver a cimitarra degolando-a, quem pode saber? Pois um avantesma ousou se rebelar contra as ordens, e levantou a arma para começar a chacina. A jovem ouviu um baque surdo e abriu os olhos, para ver o estrago que o seu salvador fez com um simples gancho de direita. Os outros seres que estavam ao redor tiveram o mesmo destino. Ken parou de pé na frente dela finalmente, transpirando, o rosto transbordando preocupação: -Você está bem? -E, agachando-se ao lado do corpo inconsciente de Alyson: -Ela está bem?

-Não sei, acertaram ela... Está sangrando. E muito.

A jovem voltou a si aos poucos e olhou de um para o outro, franzindo o cenho. -O que houve?

-Algum avantesma idiota acertou você. -Explicou Cloe. -Na cabeça.

-Percebe-se. -Retrucou, sentando-se com a ajuda dos dois e alegando: -Agora eu sei o que os gongos sentem quando batem neles.

-Você está bem?

-Estou, Ken, estou. A minha cabeça que está doendo e sem contar que estou vendo tudo girar, mas vou sobreviver.

Um outro estrondo abalou o lugar. Os últimos avantesmas foram destruídos por Francis e por Crós. Onde estaria Sacha?

A jovem gatinha, apoiada por Ken e Cloe, conseguiu se levantar. Seus olhos passaram pelo campo. Os corpos dos seres mortos estavam se desfazendo em uma poeira negra e agourenta. Ela avistou Francis e Crós mais a frente, curvados sobre o que parecia ser um fosso muito fundo. Sem entender, caminhou até lá, seguida de perto pelos outros dois amigos, que estavam atentos para o caso dela desmaiar outra vez.

O fosso era obra de uma das explosões de Crós. Este passava a mão pelos cabelos, agora soltos e bagunçados, e fitava o buraco. Francis buscava uma atitude impassível, mas de vez em quando fazia uma careta, que poderia ser tomada como sorriso por quem estivesse prestando atenção.

-O que houve? -Perguntou Cloe, quando os três se juntaram a eles. Alyson se aproximou do fosso, curiosa.

-Ela caiu. -Foi a resposta de Crós. Francis desistiu de segurar o riso e se afastou, por educação. Sacha estava dentro do fosso, coberta de lama, e completamente despenteada, fitando os outros com cara de poucos amigos. Os cabelos estavam mais escuros que o normal, asas de águia pequenas e delicadas saiam das suas costas e tinha uma cauda empenada típica daquela ave. Um cordão vermelho, em forma de flor de lotos, adornava seu pescoço, a retina dos seus olhos parecia ter aumentado, lembrando as de um falcão. Uma tiara de penas vermelho-fogo cintilavam em sua testa.

-Você também? -Retrucou Alyson, lá de cima.

Sacha afirmou com a cabeça levemente e choramingou. -Sou a metade de um passarinho ambulante!

-Tecnicamente, você é metade águia. -Gritou de volta Cloe, segurando o riso.

-Podem me tirar daqui?

Alyson olhou para Cloe. -Vou fingir que não ouvi isso.

-Idem.

-Vocês vão ficar ai batendo papo ou vão me ajudar?

-Sacha, sua besta cúbica, você tem asas. Use-as! -Explodiu Alyson, já começando a perder o resto de paciência que ainda tinha.

-Ora, não precisa ser tão grossa.

-Não estou sendo grossa. Você ainda não teve a oportunidade de me ver assim, ouviu? Agora sobe logo.

Sacha fez cara de contrariada e subiu como um raio. Chegando lá em cima, se transformou novamente em humana. -Sinistras aquelas coisas, não?

-Sinistras é apelido. -Comentou Alyson passando a mão pelo machucado recente e descobrindo, com amargura, que continuava a sangrar.

-Acho melhor ficarmos um pouco mais por aqui. Este corte está feio, Ly, e mesmo que eu consiga curar com magia você vai precisar de um pouco de repouso, antes de partirmos para a Inglaterra. -Optou Crós.

Alyson franziu as sobrancelhas. “Até tu, Brutos?”. -Mas você não estava com pressa?

-A sua saúde é o foco agora. Se for voar nestas condições isso pode evoluir para algo mais grave. As armas avantesmaris são terrivelmente tóxicas. E creio que vamos chegar encima da hora mesmo.

-Encima da hora para quê? -Questionou Ken.

-Para a prova de recrutamento da Equipe Black.

-Perdão, mas... Eu não entendi. -Alegou Alyson.

-Está ficando surda? -Perguntou Sacha. -Até eu entendi.

Ela percebeu o toque de zombaria na voz de Sacha e se defendeu. -Tem que dar um desconto, gente, eu acabei de levar uma pancada na cabeça, minhas faculdades mentais ainda estão meio embaralhadas.

-A Equipe Black estará fazendo uma prova amanhã para o recrutamento de mais guerreiros. -Crós parou, vendo a cara de Francis, que se juntava ao grupo. -Precisamos de ajuda, oras.

-A Iris, pedindo ajuda... Recrutando guerreiros por meio de uma prova? -Questionou Francis, pausadamente.

-Foi ideia dela... Eu acho.

-Da Iris?!

Crós respondeu afirmativamente com a cabeça, e Francis deu de ombros, comentando: -Eu sumo por cinco anos e as coisas ficam de pernas para o ar.

-Suponho que nós três não precisaremos fazer a prova para acompanhar a Alyson, certo?

-Suposição errada, Kem. Vocês terão que passar pela prova como todos os outros, mesmo sua amiga já sendo um membro honorário da Equipe.

-Eu sou, é? -Questionou a garota, passando as mãos pelos cabelos, como quem diz “não pode estar falando sério”.

-Digamos que sim. Mas não se preocupem com isso, a julgar pelas suas performances no campo de batalha, eu acredito que vão se dar bem.

-Sério? -Perguntou Cloe, vendo isso como um elogio.

-Tenho fé nisso, pelo menos. -Confessou o feiticeiro, fazendo os três trocarem olhares apreensivos entre si. Alyson olhou para eles de forma zangada e virou-se para Crós: -Suponho que eu possa dar um apoio, digamos... Moral, nessa prova.

-É... Não.

-Então eu vou ter que ver as minhas amigas e o meu namorado...

-Namorado, é? -Questionou Crós. A mesma pergunta passou pela cabeça de Ken, com uma leve esperança. Cloe fez uma cara de surpresa, Francis sentiu uma pontada de decepção e Sacha, que não estava prestando atenção na conversa, pensou em: “o que?”.

-...amigo...-Ela corrigiu, antes que o estrago piora-se, continuando: -...se matando para passar numa prova...de braços cruzados?

-É bem por ai.

-Veremos. -Ela retrucou, com tom de desafio.

-Enfim. -Continuou Crós, sustentando o olhar. - Essa prova será amanhã. E eu preciso estar presente, pois vou coordená-la. Junto com Iris, claro.

-Quem é Iris, afinal? -Questionou Cloe.

-É a atual líder da Equipe Black. -Objetou Francis, levantando o braço. Hunter despencou das alturas e planou para pousar na mão estendida.

-Agora vem, fedelha, vou fazer um feitiço para curar esse ferimento, antes que você acabe indo parar no hospital por perda de sangue.

T ZT ZT ZT

-Uma palavra com dez letras, que começa com I, e a sétima letra também é I.

-Impossível.

-Valeu, Mitaray! -Agradeceu Hiei, completando a palavra cruzada que estava preenchendo e mudando de página.

-Eu estava falando de você.

-Não sou tão insuportável assim. -Se defendeu o rapaz, lançando um sorriso zombeteiro ao amigo.

-É porque nunca experimentou ficar sozinho consigo mesmo. -Rebateu calmamente Mitaray, encostando a cabeça na janela e olhando para fora. Uma floresta desfilava em alta velocidade pelos seus olhos.

Os dois estavam num trem expresso, indo direto de Vadolfer para Farem, onde se localizava a Sede Black. Estavam em uma cabine vazia, Um em cada banco... O resultado era que ficavam se encarando o começo da viagem, até Mitaray abrir um livro (intitulado “Dragom, o Reino dos Dragões”), e Hiei puxar da bolsa uma revistinha estilo Coquetel.

Eram quatro horas da tarde, e uma nuvem densa e escura cobriu o sol. Um vento gelado começou a soprar, fazendo com que Mitaray fechasse completamente sua janela. Hiei fez o mesmo. Um trovão ribombou ao longe. Mas nuvens se juntaram, tapando completamente o sol. Raios apareciam ao longe, e logo uma chuva forte desabou sobre quase toda Diamante. Mitaray cravou os olhos no amigo, que abaixou imediatamente a revista. Gritos estrondosos e assustadores ecoaram pela tempestade.

-Silfos da tempestade. -Murmurou Mitaray.

-Estranho. O céu estava azul, sem uma nuvem... E, do nada, uma tempestade sinistra cai. -Comentou Hiei.

-Isso não é bom. Tempestades repentinas são sinais de mau agouro. Ainda mais com essa quantidade de silfos. Pode sentir? Na alma da tempestade há dor, há sofrimento... Perdição.

-Seres está chorando. Por que será?

-Não sei dizer. Mas para uma Deusa chorar, o motivo tem que ser muito sério. -Disse Mitaray, e outro grito lacerante veio da tempestade, junto com outro trovão. A deusa da água, Seres, chorava e lamentava e ninguém, alem dos outros deuses, imaginava o porquê.

-Uma expressão que começa com N. -Pediu Hiei, para amenizar o clima, abrindo outro sorriso... Desta vez amargo. Uma vez que Seres chorava, Diamante inteira sentia a sua dor.

-Não enche! -Respondeu Mitaray, reabrindo o livro.

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Mensagem por Convidado Dom Jul 21, 2013 11:29 pm

3-Remorso (Parte II)



T ZT ZT ZT

-Ai!

Alyson deu um berro, e se contorceu mais uma vez.

-Você pode ficar quietinha por um minuto! -Pediu Crós, enquanto abaixava a cabeça da garota pela décima vez seguida.

Eles estavam no hidroavião, tentando dar um jeito no machucado que se abria na cabeça da garota. Sacha e Cloe tinham saído para comprar umas lembranças da cidade. Ken estava sentado confortavelmente no banco, observando as tentativas de cura do feiticeiro. Crós havia mandado Alyson sentar num banco e abaixar a cabeça, E tinha entrado no vão entre as costas desse banco e o detrás. Tinha pegado no bolso uma erva que disse se chamar Alancia, e um tempo depois colocou por cima do ferimento. E começou a dizer um feitiço, algo como:

Osso quebrado, ordeno que se junte;

Veia torcida, ordeno que se desenrole;

Ferida aberta, ordeno que se feche;

Dor insuportável, ordeno que acabe;

Corpo cansado, ordeno que se cure.


Infelizmente, toda vez que ele chegava na segunda frase a jovem sentia dor e se mexia, quebrando a concentração do mago e fazendo ele repetir tudo outra vez.

-Seu insensível, isso dói, ta? Já viu o tamanho do rombo que aquele desgraçado me fez?

-Estou tentando te ajudar.

-Poderia deixar eu me curar sozinha. Tenho uma recuperação física muito rápida e defesas muito fortes...

-Uma ajuda a mais não vai fazer mal algum. E acha que essa defesa pessoal é muito boa? Conheci gente igual a você que pegou uma infecção séria por causa de avantesmas e sabe onde estão? Sete palmos abaixo da terra. Não quer morrer de novo, quer?

-Não, obrigada, uma flechada no coração já é suficiente. -Replicou Alyson, parando de se mover por alguns segundos. Logo outro grito de dor e nova interrupção forçaram Crós a parar. Uma onda de indignação passou pelo seu rosto descoberto.

-Pode parar de se mexer? -questionou ele, sem a mínima paciência.

-Não posso evitar. São atos-reflexos. -Desculpou-se ela.

-Eu adoraria te ajudar. Mesmo, mas se continuar se contorcendo eu nunca vou chegar ao final do feitiço. Capite? Tente relaxar!

Ela fechou os olhos e abaixou a cabeça outra vez. De repente, aquela voz suave entrou no seu pensamento, novamente. E começou a falar:

“Já se resolveu?”.

“Estou confusa. Ele mentiu para mim. Pode me entender?”.

“Humanos mentem”.

“Mas ele errou. E feio, dessa vez”.

“Humanos erram”.

“Quero perdoar, mas ao mesmo tempo não quero. Ele parece perfeito para mim às vezes, e em outras parece não ter nada a ver.”

“Humanos são imperfeitos”.

“Sei disso”.

“Mas esquece”.

“Você tem razão. Posso te chamar de você?”.

“Pode me chamar do que quiser, por enquanto”.

“O que eu devo fazer? Estou tão confusa”.

“O que achar certo”.

“Não sei”.

“Pense”.

“Acho que ele é o certo”.

“Você está no caminho correto... O caminho do seu coração”.

“E se ele não for o certo?”.

“Saberá o que fazer. Mas quando os humanos aprendem a olhar para dentro de si mesmos, quando ouvem seu coração, aprendem a seguir seu caminho, a evoluir, a ter o poder de mudar seu destino. Enquanto seguir esse caminho, nada, nem ninguém, poderá o impedir”.

“Um dia vou chegar a esse nível?”.

“Um dia”.

“Estou preocupada. Não sei porque. Talvez seja o fato de eu ter que deter uma imortal. Ela é uma assassina. Tem sangue frio, poder, vida eterna. Tem muitas coisas que eu não tenho. Como posso vencer se sou tão inferior?”.

“Comece se perguntando o que você tem que ela não pode ter. Mas não é isso o que você procura”.

“Como assim?”.

“Não é com isso que você está preocupada”.

“Eu não sei. Ainda a pouco eu pensei ter ouvido um barulho de chuva, de berros horríveis, por dentro de uma tempestade. E uma tristeza muito grande tomou conta de mim”.

“Crós também pode sentir. Fique do lado dele. Ele entende o porquê, pois nasceu em Diamante, e Diamante é parte dele. Quando Diamante ou seus Deuses sofrem, os fiéis a eles podem sentir”.

“O que está havendo?”.

“A Deusa da água está chorando”.

A voz calou-se, e Alyson entendeu que ela tinha se recolhido às profundezas de sua mente. Um último conselho passou como um lampejo em sua mente.

“Pode abrir os olhos. O feiticeiro terminou a magia agora”.

Ela reabriu os olhos, e sentiu como se tivesse dormido uma noite inteira. Sua cabeça não doía mais. Não havia mais sangue... Não havia mais nada. Ela passou a mão delicadamente pela cabeça, e Crós disse o que ela se recusava a acreditar: -Não há mais ferimento. Ele sumiu... Completamente.

Ken tentava esconder a surpresa, mas não era muito eficiente nisso. A garota virou-se imediatamente, abrindo um sorriso radiante e deu um beijo na testa do mago. Esse ficou meio pasmo por alguns momentos, depois deixando um sorriso cintilar pelo seu rosto. Passou sua mão pelos cabelos dela, bagunçando-os mais ainda.

-Você vai me ensinar, não é?

-O quê?

-Esse feitiço. Por favor. -Pediu Alyson, piscando os olhos com carinha de anjo.

-É muito complicado...

-Eu me esforço. Crós, por favor...

Ele pareceu pensar por um minuto. -Bom, levando em consideração que você é atrapalhada e que vive se machucando... Está bem.

-Sério? -Perguntaram Alyson e Ken juntos. Ela com admiração, ele chocado.

-Sério. E caso consiga utilizá-lo com perfeição, eu ensino os outros. Você vai ser, como eu posso dizer? Minha aprendiz.

-Jura? -Ela questionou, enquanto o rapaz sussurrava para si mesmo: -Socorro.

-Juro. Palavra de feiticeiro. Afinal, Iris sempre me disse para procurar uma cobaia para eu ensinar.

-O que você quer dizer com cobaia? -Gaguejou a jovem.

-Foi uma aposta que os outros integrantes da Equipe fizeram em mim. Aparentemente era o grupo que achava que o meu primeiro aprendiz ia se transformar em uma pessoa poderosa e importante contra...

-Contra? -Perguntou, já começando a mudar de idéia.

-Os que achavam que o meu primeiro aprendiz ia acabar em pedaços, tentando produzir uma das minhas complicadas formulas.

-Em que lado a Iris estava?

-Do meu. O lado Super-herói. E junto com ela estava o Aaron, a Dayana e o Senhor do Palácio de Granito. À minha esquerda... -E ele deu um sorriso besta. -... Ou do lado do “defunto”, estavam a Taylor, a Pandora e o Dave. Na realidade, a culpa disso tudo é do Dave.

-Senhor do Palácio de Granito? -Perguntou Ken, interessado.

Crós olhou para cima como se aquilo fosse algo que não quisesse lembrar e retrucou baixo, virando-se e saindo do hidroavião: -Isso foi há muito tempo.

Alyson o acompanhou pelo vidro dianteiro do avião e suspirou profundamente, enquanto Ken se aproximava dela. Foi recebido com um tapa na cabeça.

-Hei... Por que fez isso? -Ele resmungou, esfregando o local atingido.

-Você tinha que perguntar? -Acusou ela, cruzando os braços. -Não está vendo que eu estava tentando animar ele?

-Parecia estar tentando convencer. -Disse o rapaz. -Animar por quê?

-Você não acreditaria em mim. -Ela alegou, sentando num dos bancos. Ele se sentou ao seu lado.

-Tente explicar... E eu prometo que tento entender.

-Ta. Mas é complicado. E estranho.

-Por favor, eu tive um mestre que podia viajar pelos três mundos e você vem me dizer que algo é estranho demais?

-Tem uma voz na minha cabeça, Ken. Eu estava conversando com ela enquanto Crós fazia o feitiço... Por isso que eu “sosseguei”.

-Sério? Parecia que você tinha apagado.

-Ele pediu para eu relaxar. Essa coisa... Seja lá o que for, está tentando me ajudar. E ela disse que Crós estava triste. Estava sofrendo por causa do que estava acontecendo em Diamante.

-O que está havendo?

-Eu fiz a mesma pergunta.

-E o que ela respondeu?

-Que a Deusa da água está chorando.

-Meu mestre disse algo sobre isso uma vez.

-O que ele disse?

-Que para a Deusa da água chorar precisa de um motivo muito forte. E que quando ela chora, o que é raro, mesmo o dia mais claro é imediatamente coberto por nuvens negras, e uma tempestade arrepiante se forma. E que criaturas invisíveis para pessoas com olhos comuns gritam e choram, junto com a tempestade, espalhando a dor por onde ela passa. -Contou Ken. Ela o fitou demoradamente, aparentemente amedrontada.

-Não foi apenas sobre isso que ela falou. Digo “ela” não porque é uma voz, mas porque tem um tom feminino. E eu tenho certeza que ela é uma mulher. -E dizendo isso ela fez o sinal de aspas com os dedos. E completou: -Preciso falar com você.

-Ela mandou?

-Não exatamente. Ela disse para eu seguir meu coração. E não sei ao certo o que ele está dizendo agora, mas... Preciso falar com você.

-Vai ficar com seu amiguinho romântico francês? -Perguntou ele, com um sorriso triste.

-Nem pensar! O que fez você pensar nisso?

-Ele está dando em cima de você desde que te percebeu. E por um breve momento achei ter visto algo como uma... Cumplicidade.

-Achou errado.

-Em todo o caso, preciso admitir...

-Que você não gosta de mim? Não precisa, já me jogou isso na cara horas... -Ela foi interrompida por um beijo rápido.

-Eu menti. Duas vezes.

-Me... Mentiu, é?

-Quando disse que não confiava em você... Eu estava fora de mim, não sabia o que eu estava dizendo. -Ele segurou as mãos de Alyson nas suas e continuou. -Confio a você até a minha vida, se for preciso. Mas tenho medo... De acordar um dia e descobrir que você desapareceu, de ver você morrendo outra vez e não poder fazer nada, de fazer você sofrer sem necessidade... Eu tenho medo de muitas coisas não é? Mas é porque eu te amo. Tenho pavor de perder você.

-Demonstra muito bem. -Alegou, com um sorrisinho torto. -Que engraçado...

-O que é engraçado? -Retrucou Ken.

-Também te amo.

-Posso perguntar qual é a graça nisso?

Ela deu uma risadinha: -É difícil de explicar. Às vezes, quando esperamos muito por algo... Quando queremos muito algo, parece impossível de se conseguir. Mas quando conseguimos... Sei lá, parece que é brincadeira. Frustração.

-Você está esperando algo que não vai vir. Porque eu juro pela minha alma que tudo o que eu acabei de dizer é verdade. A mais pura verdade.

-Sei que é. Confio em você. -Ela o abraçou docemente. O rapaz corou, surpreso. Ela era previsível... Pelo menos na maioria das vezes.

-Posso te fazer uma pergunta?

-Qual?

Ken abriu um sorriso de escárnio (o que significava que era alguma bobagem), e perguntou: -Sou seu namorado agora?

-Bobo.

T ZT ZT ZT

Crós olhou para o céu. A noite começava a descer, e as primeiras estrelas apareciam à distância. Sentiu dor. Não era uma dor física, que podia ser curada à base de feitiço ou erva. Era muito pior que uma simples dor. Algo que ele experimentava raras vezes, em ocasiões mais raras ainda: solidão, impaciência e impotência. Receio, tormento e acusação. Devia ter dado ouvidos a ela. Devia ter andado rápido. Já deveria estar em Diamante ao seu lado. Ao lado daqueles que eram a família que nunca teve. Seres estava sofrendo, e isso é alarmante. Significa que algo muito ruim estava acontecendo, algo muito ruim. E, mais cedo ou mais tarde isso afetaria seus amigos. Iris e os outros estavam com problemas, ou quase lá, e talvez ele não chegaria a tempo.

Ele cobriu o rosto com as mãos, lutando para conter as lágrimas e respirou fundo. Viu as meninas voltando para o hidroavião, enquanto pensava que não podia perder tempo. -Graças aos Deuses! -Menos isso para se preocupar. Dirigiu-se para a máquina controlando a respiração, de passos firmes. Não podia mostrar a eles fraqueza. Daria a impressão de que iriam lutar por uma causa perdida, e isso era a ultima coisa que o mago queria. Primeiro porque ele ainda tinha fé, e segundo porque o desanimo custa caro. Caro demais para se arriscar.

Mas sempre chega uma hora em que a fé começa a enfraquecer, começa a falhar. E Crós sentiria isso, mais cedo do que podia imaginar.

“Francis, venha rápido. Vou partir hoje à noite. Não há tempo. Traga as pedras”.Ele chamou em pensamento, e entrou no hidroavião, um pouco depois de Cloe e Sacha. Todos voltaram sua atenção para ele.

-Precisamos ir. -Declarou, firme, e completando: -Vou esperar Francis chegar para pegarmos as pedras mágicas e daremos no pé.

Alyson arqueou um pouquinho as sobrancelhas, se perguntando desde quando um feiticeiro dizia “daremos no pé”, mas preferiu ficar quieta. Recostou-se confortavelmente no banco e se obrigou a pensar num meio de dizer a Francis que não estava interessada nele, sem parecer convencida ou insensível.

T ZT ZT ZT

O imperador de Diamante estava bastante preocupado. E não era para menos. Aos seus pés, no salão principal do Palácio de Granito, Seres estava estendida, chorando desconsoladamente. O Senhor do Palácio de Granito adentrou no salão, aparentemente aflito. O manto negro que usava farfalhava a cada passo. Era um rapaz bonito, alto, de 27 anos, cabelos escuros e curtos, olhos castanho-esverdeados e pele bronzeada. Não dava para divisar o seu corpo por causa do traje, mas ele tinha um corpo escultural, musculoso na medida certa.

Nicolas fez uma reverencia. O velho imperador, de olhos claros e penetrantes, expressão afável e cabelos grisalhos fez um sinal para que o rapaz levantasse e chegasse mais perto. Os olhos dele passaram por Seres. A Deusa da água se encolheu e olhou o recém-chegado. O rosto delicado estava vermelho e um pouco inchado por causa do choro. Os olhos, azuis claros, também estavam vermelhos. Os cabelos, de tom azulado, cacheados e compridos até os ombros, estavam molhados e embaraçados. Ela vestia um vestido branco, com decote em forma de V, babados e brocados nas mangas curtas e um corte meio aberto embaixo. Era raro vê-la desse jeito, pois Seres era uma sereia, e na maioria das vezes estava dentro d’água, com as pernas transformadas em uma calda azul-turquesa e usando um top da mesma cor.

-Oi, Nicolas. -Sussurrou a Deusa, controlando o choro.

-Majestade. -Ele cumprimentou, fazendo outra reverencia, e finalmente abaixando-se ao lado da Deusa, perguntou: -O que houve, Seres? Por que está chorando?

A divindade se ajoelhou no chão e tocou com o dedo indicador uma pequena poça, que tinha se formado com suas lagrimas, começando a falar: -Ela destruiu a Cidade que eu criei com minhas próprias mãos, com meu próprio sangue. A Cidade Das Águas foi destruída, agora só existe água suja de sangue e ruínas. Só a parte norte foi poupada, e isso porque Haradja quer utilizar o castelo que foi construído lá como estadia de verão. Ela conseguiu entrar lá, não sei como, e matou a maioria dos habitantes. -Enquanto Seres falava, na poça de água salgada apareciam imagens de destruição, guerra, ruínas, pessoas sendo mortas sem poderem sequer lutar. Quando a Deusa terminou, a poça que antes era límpida e cristalina se transformara em sangue.

Seres retirou o dedo e olhou para Nicolas e para o imperador, Erom. Novamente uma sombra de angústia passou pelo seu rosto, e seus olhos embaçaram. -Eu não pude fazer nada... Não posso fazer nada. Os deuses só tem permissão de intervir quando se confrontam com outros deuses.

-Não devia ter mostrado essas cenas para nós, majestade. Vai sofrer ainda mais desse jeito. -Comentou Erom, num fio de voz.

-E não queremos que sofra. -Complementou Nicolas. -Me desculpe, a culpa foi minha. Eu era o responsável por vigiar Haradja. Eu falhei... Mais uma vez. Com vocês dois, com os outros deuses, com Iris, com todo mundo... Principalmente com os habitantes da Cidade das Águas, deixando-os a mercê de algo contra o qual não poderiam lutar.

-Não se culpe, Nicolas. Nem nós, deuses, previmos isso. Ninguém poderia. Foi um ataque surpresa, bem arquitetado. Os vigias de Soledad foram pegos numa armadilha, para que ninguém pudesse nos informar do ataque. O que podemos fazer é nos concentrarmos nas outras cidades, principalmente aqui em Cristal e em Farem, onde a maré vai bater mais forte... -Seres interrompeu-se, suspirando, e alegou: -Precisamos nos reunir com Folkes, Reidh e Hera, precisamos da garota, e precisamos avisar à Iris.

Nicolas parou para pensar por alguns momentos e bateu a mão na testa: -O teste... Ela vai tentar sabotar o teste. Quantas horas?

O imperador olhou para o grande relógio de pendulo que adornava o salão principal: -Meia noite e meia.

-Temos pouco tempo. O teste começa as oito em ponto. Imperador, preciso usar o computador principal... Se me dão licença... -Ele se curvou mais uma vez e saiu da sala, o mais rápido que o piso escorregadio deixava. Seus pés derraparam quando ele saiu do salão, rumo à sala do computador central, onde ele tinha recepção boa o suficiente para contatar Farem e Iris.

Ele ligou o computador e esperou-o carregar (o que demorava quase meia hora, pois à noite a carga de energia mandada pelo Palácio era bem maior que de dia.), rezando para que desse tempo. Se acontecesse algo com Iris ou com os outros, ele jamais se perdoaria.

O computador carregou-se completamente em exata meia hora, o que deixou o Senhor do Palácio de Granito desesperado. Mas a surpresa maior ainda estava para chegar. Nicolas descobriu, com desgosto, que a linha de comunicação com a Sede Black e todos os comunicadores estava cortada. Um presente de Haradja, e eles demorariam muito tempo para saber como ela tinha feito aquilo. Ou melhor... Sua sócia. O rapaz tentou de todos os meios possíveis estabelecer o contato, sendo frustrado em todas as suas tentativas.

Ele voltou para a sala principal, reencontrando-se com Seres e Erom: -Não consegui.

-Não conseguiu? -Questionaram os outros dois.

-As linhas de transmissão foram cortadas. Nenhum recado entra ou sai. Primeiro pensei que era só a Sede Black, mas não é. Tentei contatar guardas, vigias, sem sucesso.

-Haradja. -Murmurou Seres, levantando-se. -Alguém tem que avisá-los. Não podem estar desprevenidos contra um ataque de Haradja.

-Eu vou. -Alegou Nicolas.

-Sou mais rápida. -Contestou Seres.

-Não pode interferir, majestade. Sabe muito bem o que acontecerá se ir lá agora. Ainda mais nesse estado de espírito. Posso fazer isso. Eu fracassei uma vez, quero concertar o erro. Por favor, minha Deusa, deixe-me partir.

Seres olhou para aquele rapaz determinado e sentiu toda a sua vontade minar. Sabia o que aconteceria se interviesse. Ficaria confinada no seu elemento por quatro dias. Quatro dias era muito tempo para um reino ameaçado. Poderia ser mais útil essa intervenção em outro momento. Seres era a mais calma e racional dos cinco grandes Deuses. Ela sabia que ainda não era hora de arriscar a pele. Ainda não. Teria que confiar em Nicolas mais uma vez.

-Vá. Mas procure primeiro a Sede, e depois o Caminho da Ilusão. Se houver um ataque, pegará os dois. Com certeza ao mesmo tempo. -Disse Seres, se conformando.

-Obrigado, majestades. -Ele agradeceu, e se virou para sair do salão.

-Nicolas. -Chamou a deusa. Ele a olhou.

-Você daria um ótimo imperador.

Nicolas deu um sorriso e meneou a cabeça. Já ia se virar de novo quando Seres o confrontou novamente. -Nicolas... Tome cuidado. E boa sorte.

Ele fez outra reverencia e saiu da sala. Seres virou-se para Erom e perguntou: -Já pensou em quem vai ser seu sucessor?

-Já. Nicolas será um bom imperador. A menos, é claro, que ele não queira e que haja alguém melhor para ficar no seu lugar.

-Vou considerar isso na hora em que formos promover a sucessão. -Prometeu Seres. -Mas ainda vai demorar. Ainda está firme e forte, senhor. Ainda vai viver muitos anos. O suficiente para ver Nicolas amadurecer um pouco mais.

-Quem sabe.

-É, quem sabe.

A deusa do destino é ardilosa. Nenhum deles poderia prever o futuro que os aguardava. Nesse instante, Nicolas embainhava a sua espada e subia em sua moto. Em instantes estaria na estrada. Precisava de tempo... E essa era a única coisa que ele não tinha.

T ZT ZT ZT

Francis chegou na frente do hidroavião e o observou de cima a baixo. Crós saiu da maquina, junto com os outros. O olhar do rapaz caiu sobre Alyson, e um sorriso encantador brotou em seus lábios.

Kem notou, e olhou para a garota ao seu lado. Ela tentou retribuir com um sorrisinho cínico, retrucando, entre dentes: -Vai ser mais difícil do que pensei.

-Eu queria muito poder te ajudar, mas não posso. -Comentou o rapaz, carinhosamente.

-Concordo plenamente.

-O que vai dizer para ele?

-Isso é problema meu, não acha?

-Ta, não precisa ser rude. Só pega leve com ele.

-Por quê?

-Levar um fora de uma garota linda como você pode ser prejudicial. Eu ficaria muito mal.

-Sei disso. -Ela riu, enquanto via Francis se aproximar deles. Ele chegou perto de Alyson e beijou sua mão, novamente. Ken pensou em agarrá-la e lhe dar um beijo bem na frente daquele guardião sei lá do que, ou talvez gritar: “Ela é minha namorada, eu vi ela primeiro!”, e “Dá para tirar o olho da minha garota?”, mas achou que isso seria grosseria, sem falar de muito imaturo.

Alyson viu que o namorado não estava muito feliz com isso tudo e retirou a mão. Deixaria Crós resolver seus problemas e diria a ele... O que ia dizer a ele mesmo???

-Bem, Francis... Trouxe as pedras? -Crós perguntou, educadamente. O outro tirou do bolso da jaqueta uma caixinha toda ornamentada, com um dragão em alto relevo na tampa, e vários símbolos estranhos espalhados pela sua superfície. Ele abriu a caixa, com muito cuidado. Dentro dela havia quatro pedras, menores que uma bolinha de gude. Um quartzo, um topázio, um berilo e uma água-marinha. Respectivamente as pedras do ar, da terra, das asas e da água.

A jovem olhou para as pedras com admiração, mas, subitamente, declarou: -Estão faltando três.

-Creio que cabe a você achá-las. -Afirmou Francis.

-A mim? –Ela questionou, de queixo caído.

Crós mais do que depressa cortou o assunto: -Falamos nisso depois. -Por que você não estava em Veneza, afinal de contas?

-Tive problemas com os avantesmas seguidores de Haradja por lá. Resolvi despistá-los, só isso. Pena que não funcionou de nada.

-Queriam as pedras?

-Querem as pedras. E, pelo visto, a Alyson também. Estamos com um problemão. E vocês tem que sair daqui o quanto antes... A derrota pode ter sido humilhante, mas não quer dizer que eles vão deixar de voltar. Fora que já era para estarem em Diamante há essas horas...

-Muito obrigado, amigo. -Agradeceu Crós.

-Eu faço o que tenho que fazer, e só. Não precisa agradecer.

-Bem, vou ligar o hidroavião. Não demorem. -O mago replicou, dando um adeus para Francis com a mão. Alyson sentiu que a frase tinha sido para ela. Ken seguiu Crós, também dando um tchau com a mão (no caso dele, até nunca mais). Sacha tentou jogar um charminho, mas não adiantou de muita coisa. Acabou que ele só apertou a mão dela, o que a deixou frustrada. Cloe, que não queria encarar, pois se sentia desconfortável, e porque queria parecer educada, também apertou a mão dele, desviando o olhar rápido e voltando para o hidroavião junto com Sacha. Sobraram só Alyson e ele. Os dois se encararam.

-Olha, Francis... -Começou ela. -Eu gosto muito de você... Mesmo. Mas, só como um amigo. -Ela viu o rapaz “murchar”. Talvez tenha sido direta demais. Ia ter que concertar o erro. -Me desculpe por ter feito você alimentar falsas esperanças. Essa não era a minha intenção...

-Você gosta do Ken, não é?

Ela inconscientemente fez uma careta. Será que estava tão na cara assim? Sem prestar atenção, respondeu: -As vezes ele é um idiota... Mas mesmo assim não posso deixar de pensar nele.

-Acho que estou com inveja... Nunca senti isso em anos de existência. É estranho. Queria que você olhasse para mim como olha para ele.

É, tava mesmo na cara. Ela suspirou fundo. Por que estava sendo tão difícil? -Sinto muito... Mas não posso ficar com você. Não sabendo que estaria fazendo isso por compaixão... Ou amizade.

-Eu entendo. Cheguei tarde. -Ele a encarou com tristeza no olhar.

-Talvez fosse tudo diferente... -Ela parou para pensar e percebeu, que se Ken não estivesse em sua vida, seria fácil se apaixonar por aquele jeito encantador de Francis. Porém, o cupido tinha feito a sua parte, há muito tempo, e ela teria que partir o coração de alguém. Alguém que a amava demais, mesmo só a conhecendo por algumas horas. Alguém que poderia ter sido um amigo maravilhoso.

-Talvez. -Ele concordou. -Espero que seja feliz. Que tenha êxito em sua missão. Que viva o suficiente para conhecer o meu mundo. Ver como ele é em tempos de paz.

Isso era um adeus. A garota sentiu-se um monstro por um instante. Deu uma vontade enorme de chorar, de abraçá-lo, de dizer que estava tudo bem, que ele ficaria bem, que acharia uma garota que merecesse o seu amor. Uma alma gêmea, para acompanhá-lo pela vida confusa de feiticeiro.

Sentiu seus olhos encherem-se de lágrimas. Ela olhou aquele rosto e se perguntou se estava fazendo a coisa certa. Hesitava. Tomou coragem, uma coragem saída de nem se sabe onde. -Não quero que sofra por mim. Você deve ter vivido tempo o suficiente para saber que há uma pessoa certa para cada um de nós. Espero que encontre a sua, de coração.

Ele sorriu (uma poeira de felicidade num mar de desespero), e disse, docemente: -Vou me esforçar.

-Promete pra mim que não vai fazer nenhuma besteira?

-Juro pela minha alma. E por você.

Alyson puxou os leques que Francis havia dado do cinto que os prendia e estendeu-os para ele.

-Fique com eles... Para se lembrar que em algum lugar do Mundo Real existe alguém que gosta muito de você.

Ela o abraçou bem forte. -Se cuida.

-Você também.

E os dois se separaram, para nunca mais se encontrarem novamente. Pelo menos, era o que ela achava. Alyson subiu no hidroavião, e deu um sinal de adeus. A máquina decolou, ganhando o céu estrelado, sem uma nuvem. Francis viu-a sumir da sua vista. Caiu de joelhos no pasto verdejante, e chorou até as lágrimas secarem. Muitos parisienses disseram terem ouvido um falcão cantar até o amanhecer, uma melodia triste que parecia chorosa aos ouvidos mortais. Era muito mais que isso. A ave cantava, para aqueles que podiam ouvir, uma história de amor que nunca havia começado. Cantava a dor de um feiticeiro que, em vários anos de vida, se apaixonara por alguém que nunca poderia ter, e que sofreria a sua falta até o fim dos seus dias.

T ZT ZT ZT

-Você está bem?

-Vou ficar. -Respondeu Alyson, entrelaçando sua mão na de Ken.

-Sei como você está se sentindo. Uma vez tive que romper com uma garota...

-Você nunca disse que teve uma namorada. -Ela lembrou.

-Acho que foi porque não era importante. Foi há dois anos, quando viajei para Nova York, se lembra?

-Tenho uma vaga lembrança. Ficou lá por uns três meses, não foi?

-Foi. Eu conheci lá uma garota simpática. Dizia ela que me amava, mas durou pouco tempo para eu perceber que não sentia a mesma coisa. As vezes a gente confunde amor com amizade, e nada de bom sai disso. -Kem pareceu pensativo, e Alyson se perguntou o que estaria passando pela cabeça dele naquele momento. Não perdeu muito tempo pensando nisso.
-E ai, o que você fez?

-Rompi com ela, o mais delicadamente que consegui.

-E?

-Ela tentou se matar.

Alyson sentiu seu ar faltar e apertou mais ainda a mão de Ken. Ele a sacudiu levemente para fazê-la voltar ao normal. Passou a mão livre delicadamente pelo seu rosto. -Hei, hei está tudo bem... Eu cheguei antes que ela pudesse tentar fazer algo consigo mesma.

A falta de ar dela chamou a atenção. Agora Cloe e Sacha estavam olhando para eles, preocupadas. -Está tudo bem ai atrás?

-Está. O Ken só está querendo me matar do coração, nada de mais. -Disse Alyson, sarcástica.

-Eu estou contando a história da minha ex-maluca para ela. -Contrapôs o rapaz.

-Aquela da garota que queria saltar de um prédio de vinte andares por sua causa? A que você contou hoje de manhã? -Questionou Cloe.

-Você sabe? -Perguntou Alyson, de olhos arregalados.

-Todos os três sabem, eu fiz a burrice de ficar contando as minhas amarguras para a Cloe, e esse pessoal que não tem mais nada para fazer parou para escutar. -Reclamou Ken.

-Ele estava carente, tem que dar um desconto né? -Dedurou Cloe, que não perdia a oportunidade de tirar sarro com a cara dele de vez em quando.

-Mas... Um prédio de vinte andares?

-É. Ela tentou mais de dez vezes se matar, ai um belo dia a família internou ela num hospício e avisou que se eu não sumisse de perto dela ia acabar levando um tiro. -Ele completou, dando de ombros.

-Eles iam dar um tiro em você com o quê? -Questionou, rezando para que fosse só uma figura de linguagem.

-Com a espingarda carregada que o pai dela deixava na garagem. -Ele respondeu, fazendo uma cara de “o que eu podia fazer?”. -Me sinto culpado até hoje... Era uma garota tão feliz...

-Ainda bem que não vou ter que me preocupar com uma coisa dessas.

-Quem lhe garante que o romântico francês não vai fazer nenhuma burrice?

-Eu sei que ele não vai. - Ela alegou, decidida.

-Como pode ter tanta certeza?

-Ele prometeu para mim. -Foi a resposta dela. -Se jurasse algo por mim, você quebraria a promessa?

-Jamais.

-Então. Ele não vai fazer nenhuma besteira, tenho certeza que não.

Ele não respondeu. As mãos dele se soltaram das dela, o que causou um olhar torto de protesto. -Devia ter ficado com ele. Eu não sou um santo. Já te fiz chorar. Já fiz você sofrer. Eu menti. Por que não ficou com ele? Francis nasceu em Diamante, sabe onde ficam os portais. Era só pedir, e ele a levaria até ao céu, se fosse possível.

-Está se perguntando por que você é meu namorado?

-É... De certa forma.

-Porque amo você, não ele. Isso te satisfaz? -Ela perguntou, o encarando com seus belos olhos castanho-esverdeados, agora mais verdes do que jamais tinham ficado antes.

Ele entrelaçou novamente sua mão na dela e lhe deu um beijo demorado. -Claro que satisfaz.

Alyson olhou-o por um breve minuto, tentando relembrar algo que tinha escutado há pouco tempo. Do nada ela o fitou e perguntou: -Será que a sua carência hoje de manhã tem alguma coisa a ver comigo?

-Isso é uma pergunta para mim?

-Pode se considerar.

Ele corou um pouquinho antes de responder: -É. Tinha tudo a ver com você.

-Amo você. -Ela disse baixinho, deitando a cabeça no ombro dele. O rapaz passou o braço por trás das costas da jovem e encostou a cabeça na dela. O barulho do motor do hidroavião foi lhe dando sono, e logo ele fechou os olhos e adormeceu. Porém Alyson não conseguiu dormir. Ela pensava como tudo aquilo tinha sido difícil. Como ela queria que Francis não fizesse nenhuma burrice. Como ela queria, simplesmente, esquecer.

T ZT ZT ZT

Mitaray cutucou insistentemente Hiei para que ele abrisse os olhos. O trem parara na estação de Farem, e o jovem ainda dormia a sono solto.

-Qual é? Não se pode nem mais dormir nesse lugar? -O rapaz resmungou, enquanto abria os olhos.

-Chegamos, criatura. Vamos logo, temos que pegar nossas coisas. -Replicou Mitaray. Ele parecia inquieto, o que chamou a atenção do amigo.

-O que está pegando?

-Como?

-Fala sério, Mitaray, te conheço há anos. Acha que não sei reconhecer essa sua cara de apreensão quando a vejo? –Retalhou Hiei, levantando-se de um salto e ficando de pé.

-As linhas de comunicação estão cortadas. E pelo visto não é só aqui. Estão dizendo que o reino inteiro está sem comunicação.

-Fala sério, não se pode cortar uma linha de comunicação, principalmente porque ela é feita de som, não de matéria.

Mitaray o observou por alguns instantes, incrédulo.

-Que é? Eu freqüentei a escola, para a sua informação. -Alegou Hiei, aparentemente ofendido pela surpresa do colega.

-Eu não disse nada. –Contestou Mitaray, estreitando os olhos. –Mas acho que você está muito na defensiva.

-E... –Ele se calou imediatamente. -... Ta legal, só cursei até a oitava série. Mas não quer dizer que sou burro.

-Jamais diria uma coisa dessas.

-Não é?

-Não. Eu diria ignorante, talvez até incapaz… Mas burro não.

-Nossa to me sentindo muito melhor. –Retrucou Hiei.

-Vai se acostumando. Agora podemos ir?

O rapaz resmungou alguma coisa e agarrou suas malas, seguindo de perto Mitaray. Os dois saíram do trem. Uma madrugada fria e úmida os recebeu, resto de uma tempestade que, tão inesperadamente como veio, se fora, deixando para trás habitantes preocupados e alarmados. Eles se entreolharam por alguns instantes e, tomando coragem, entraram pelo caminho sinuoso que levava à Sede Black. Mitaray dava umas olhadas por trás dos ombros, sentindo aquela sensação desconfortante de achar que estava sendo observado.

Já Hiei, quase caindo de sono, mal poderia pensar nisso. Talvez só não estivesse batendo nas arvores da trilha por ter um treinamento muito bom, com um mentor melhor ainda. Era seu costume dizer que, para ir a uma missão de campo, era indispensável um meio de transporte. De preferência grande o suficiente para que pudesse dormir dentro dele. Não era especialista em fazer plantão, mas em compensação era um piloto excelente, que apesar de jovem já havia estado em quase todos os lugares de Diamante.

O caminho terminou de frente a uma grande mansão. Era grande como um centro de pesquisas, luxuosa como o mais belo palácio e fortalecida por defesas insuperáveis, mais poderosas que a força de mil exércitos. Era uma verdadeira fortaleza, onde aqueles que eram considerados inimigos pereceram, sem terem tempo nem para pensar no que fazer para escapar.

Mas Hiei e Mitaray não eram inimigos, muito pelo contrário. Apesar de Íris repetir ardorosamente para não se meterem no que não era da conta deles, os dois sempre lhe davam uma mão quando ela mais precisava. Isso criara uma amizade muito forte entre eles e os membros da Equipe Black.

Mitaray tirou os pensamentos infelizes que lhe cobriam a face e tocou a campainha. Uma câmera mais escondida que ficava sobre a porta captou sua imagem, levando-a ao computador central em instantes. Alguns minutos depois, uma mulher morena de belos cabelos castanhos e uma franja desarrumada abria a porta. Sua boca não conseguiu refrear um sorriso: -Rapazes, como é bom ver vocês. –Disse Íris, enquanto abraçava um de cada vez, amigavelmente. –Vamos, entrem logo. Precisam descansar.

O jovem fitou-a com os olhos acinzentados e deixou o rosto iluminar-se com um breve sorriso. O sorriso de Mitaray era tido como tranqüilizador, podia acalmar ou deixar alegre quem o presenciasse. Era, contudo, muito raro, e só dirigido a aqueles que realmente tinham sua afeição. Por enquanto não eram muitos. A vida de guerreiro era muito difícil, cercada de traições, sangue, carne despedaçada e feridas incuráveis. Como uma pessoa tão gentil podia sobreviver assim?

Dou-lhe a receita: 1˚, arranje um amigo muito doido e que fale bastante besteira, de preferência COM SENSO DE LIMITE. 2˚, evite chamar atenção. A fama é muito ruim quando tem milhares de monstros querendo despedaçar você. E, para não correrem o risco de irem parar no cemitério, muitos ainda preferem o anonimato. 3˚, e mais importante... Situações extremas pedem medidas desesperadas. Portanto, se você bater no cara até cansar e ele continuar inteiro, querendo matar você, não pense duas vezes: CORRA!

Eles entraram na grande casa, e foram recebidos por Dave. Ele era o grandalhão da Equipe. Tinha músculos de ferro, tão definidos e grandes que uma bicha (sem preconceito, ta?), ou cairia a seus pés, ou correria assustada. Era bonito, tendo pele morena e grandes olhos verdes. Os cabelos eram curtos, às vezes revoltosos, às vezes comportados (a base de muito gel). Tinha um senso de humor marcante e uma sinceridade sem igual. Devia ter uns 28 ou 29 anos, mas parecia muito mais jovem. Adorava os seus amigos mais que tudo. Era casado com Taylor. E, acima de tudo, amava a natureza, apesar de não parecer.

Já a sua esposa tinha 28 anos. Ela tinha uma pele avermelhada, cabelos tão lisos que parecia impossível e olhos cor-de-mel, amendoados, quase inocentes. Devia, de algum jeito, ter vindo do Mundo Real. Era descendente de índios. Seu passado não era muito conhecido, o que nem assim impediu o casamento com Dave, ou a amizade para com os outros. O único vestígio dele era carregado junto a ela sempre: uma cicatriz feia, bem abaixo do ombro, que podia ser vista toda vez que a mulher usava camiseta. Era alta, medindo mais ou menos um metro e setenta e cinco. Inteligente, tranqüila e séria, era a mais centrada, porém às vezes deixava sua obsessão por tentar fazer tudo dar certo atrapalhar seu dia-a-dia, e seus relacionamentos.

Devia estar num desses dias de desanimo e muito trabalho, pois passou direto por Mitaray e Hiei e se jogou no sofá. Seus olhos sonolentos passaram pela sala, reparando finalmente nos dois visitantes. Os três se entreolharam. Por fim ela conseguiu esboçar um sorriso, e falar baixinho, rouca: -Oi, pessoal. Desculpa, não vi vocês aí.

-Ela pegou uma gripe forte... –murmurou Íris baixinho, perto dos dois.

-Percebe-se. –Respondeu Hiei de volta, sem ousar levantar a voz. Se existiam duas pessoas que davam medo naquela equipe era Taylor e Íris. Não, dessa vez o grande Dave não estava envolvido. O que ele tinha de músculos, tinha em proporção igual de gentileza e bom-humor. No caso das mulheres, a 1˚ virava uma fera quando estava de mau humor, ou quando algo saía errado. A 2˚ era a líder, e tornando a lembrar, não era bom se meter com ela.

-Vocês vão se candidatar? –Questionou a mulher, numa voz cansada. Iris lançou um olhar vago para os dois, enquanto Dave revelava-se contente demais para quem não sabia de nada...

-Dave! –A líder alegou, sem se alterar.

-Juro que desta vez sou inocente! –Defendeu-se ele.

-Mas você sabia.

-É... Pois é...

-Não foi ele que nos convidou a participar, Iris. –Disse Mitaray, abrindo um sorriso gentil para o velho amigo.

Iris e Taylor se entreolharam: -Não?

-Não.

Impossível. Era o tipo de coisa que Dave faria, embora não fosse nenhum crime. Sua espontaneidade sempre causara problemas. Mas se não fora ele...

-Quem...? –Iris começou, por puro impulso. No fundo, um nome e um rosto já pairavam em seu subconsciente. –Da...-Ela foi interrompida no começo do nome quando uma jovem de 17 anos entrou na sala e, como o vento, foi para perto dos dois visitantes. Tinha cabelos ruivos e cacheados, olhos da cor do pôr-do-sol e perspicazes, tez pálida. Era baixinha e magra, mas uma incrível energia emanava de seu corpo aparentemente frágil. Uma energia que encheu o salão imediatamente após sua chegada. Estranhamente, sua alegria absurda e fora do comum era muito bem-vinda.

Ela deu um beijo em cada um e exclamou, numa voz aguda e alta que fez com que os outros se encolhessem: -Vocês vieram! Pensei que não viriam... Afinal de contas, você cumpre o que diz, Hiei...

Mitaray disse com o olhar algo como “que história é essa?” Ou talvez “eu sabia que tinha algo por trás dessa história toda”. Mas lembrou-se que Dayana só se intrometia nesse tipo de coisa quando o problema era sério. A confirmação viera com a tempestade inesperada e com os cortes nas linhas de comunicação. De modo que apenas sorriu para a jovem na sua frente.

-Dayana. Eu devia ter suspeitado. –Ponderou Iris, como quem confessa um erro sem importância. –Diga-me, garota, você é surda ou simplesmente perdeu o juízo? Acho que deixei bem explicitas as ordens de Não DEIXAR A NOTICIA VAZAR... -Ela repreendeu, sem levantar muito a voz. Dayana era uma incontrolável força da natureza quando resolvia fazer alguma coisa. Era a mais nova da equipe e, para Iris, quase uma filha. Por isso que a líder tentava frear seu entusiasmo “catastrófico”. Era a promessa que fizera quatro anos atrás, quando ela fora deixada na sua porta, por ninguém menos que o Senhor do Palácio de Granito, alegando que a pré-adolescente acabara de ficar órfã: a mãe morrera de uma enfermidade cruel, e o pai, em umas das muitas batalhas contra Haradja (este último era amigo de longa data da Equipe).

Neste dia ela jurara não perder a cabeça e criar a filha do seu valoroso amigo. O que não sabia era que ela tinha um problema sério de hiper-atividade. Mas se esforçou, e ali estavam elas. Agora a empolgação exagerada da jovem tinha sido catalisada e desviada para fins mais produtivos: como mandar recados e dobrar decisões já determinadas (principalmente quando se tratava de uma ordem absurda de Nicolas).

Mitaray olhou Iris com as sobrancelhas soerguidas em uma expressão de interrogação: -Vazar?

-É... Não que quiséssemos deixá-los de fora. Mas tentamos fazer as convocações o mais sutilmente possível, para não atrair a atenção de Haradja. –Comentou Taylor.

-Então não estávamos na lista de convocação? –Questionou Hiei, abatido.

-Mas é obvio que estavam! Só que alguém confundiu o banco de dados do computador e não pudemos mandar a mensagem. E quando conseguimos reiniciar, as linhas de comunicação foram cortadas. Foi sorte Dayana ter saído, para falar a verdade, ou então não teríamos conseguido avisá-los a tempo.

Iris não pôde deixar de concordar e lançou um olhar de desculpas para Dayana, que acenou com a cabeça, em sinal de “desculpas aceitas”. Hiei deu um suspiro de alivio, enquanto Mitaray brincava: -Viu, quem mandou ser apressadinho?

O rapaz ignorou-o completamente e questionou: -E por que essa súbita mudança de planos? Quer dizer, geralmente vocês não eram um grupo fechado?

-Nós somos um grupo fechado. –Corrigiu Taylor.

-Então por que mudar? O que fez você chegar a esse ponto, Iris?

Taylor ia dar uma resposta rude quando Iris a interrompeu, fazendo-lhe um sinal de silêncio. –Esfrie a cabeça, Taylor. Posso responder isso. –E virando-se para os dois colegas, explicou: -Temos procurado muito tempo pela salvação de Diamante.

-Sabemos. –Disse Mitaray, sério: -A garota a quem chamam de Kit Black.

-Sabem também que suspeitávamos que estivesse no Mundo Real. E que mandamos vários amigos em seu rastro... Até mesmo, recentemente, o próprio Crós.

Ele balançou a cabeça, afirmativamente. Mas sua expressão mudou quando ouviu a parte de crós, dita depois de um breve intervalo.

-Crós foi para o Mundo Real?

-Já vão se completar dois dias desde a sua partida. Uma mensagem chegou aos Deuses. Ela foi mandada pela Morte. A garota foi encontrada.

-Isso quer dizer que ela...

-Morreu? Sim. Mas, para nossa sorte, ela ainda tinha uma missão para cumprir... Salvar Diamante... E então lhe foi dada uma segunda chance.

-Incrível. –Murmurou Mitaray, atônito. Era muito difícil ele ficar atônito, e Dayana não conseguiu evitar uma risada abafada e sutil ao ver seu belo rosto pasmo. –Quantos anos faz que houve a última ressurreição aqui em Diamante?

-Muitos, e mesmo assim o homem era um feiticeiro poderosíssimo. –Comentou Dave.

-E ela, aparentemente sem nenhuma noção de magia, conseguiu reviver... Sem um arranhão?

-Tecnicamente, Morte garantiu, ela está bem. A chave foi entregue a ela, também. Estranhamente, parece que ela assumiu outra capacidade, quando chegou às mãos da garota...

-Outra capacidade?

-Parece que ela tinha um instinto antigo. Talvez de uma encarnação antecedente, há muitas eras.

-Todos alguma vez fomos animais. –Disse Taylor.

-E, em nossas reencarnações passadas em que vivemos nesse modo primitivo, ouve cinco animais que se destacaram... -Continuou Dayana, vagamente.

-Os cinco primeiros animais a evoluir para a forma humana eram os mais inteligentes e ardilosos que já pisaram no mundo animal. O gato selvagem, o lobo das montanhas, a águia vermelha, a frágil borboleta e o rebelde peixe-voador. Sua inteligência era tão absurda que eles desenvolveram a capacidade de falar, sozinhos, mesmo antes dos Deuses terem sequer pensado em dar este dom a eles. –Mitaray olhou Iris e ela fez um sinal para que continuasse. –Então quando morreram, conseguiram reviver nos corpos mais evoluídos, não da era em que viveram, mas comparados a sua vida anterior. Porém, como a reencarnação não nos permite acessar nossas lembranças de outra vida, foram criados medalhões para que os agora humanos tivessem um jeito para usar suas habilidades de quando eram animais. Os medalhões davam a possibilidade de que a alma habitasse um corpo meio humano, meio animal. Assim o instinto ainda estaria ali, e quando fosse preciso usá-lo para defender outros humanos, poderia ser revivido.

“Eles se tornaram protetores da humanidade, mas, como não tiveram filhos, seus poderes não puderam ser passados hereditariamente. E, quando faleceram defendendo seus semelhantes, não houve ninguém que pudesse assumir seu lugar... Até a próxima vez que voltassem a andar pelo mundo carnal”.–Ele terminou, respirou fundo e perguntou: -Você acha que ela é a reencarnação de um deles?

-Não achamos, temos certeza. –Empolgou-se Dave. –Sabe o que é melhor? Quando eles “vêm”, nunca estão sozinhos. Eles voltam ao mundo de matéria sempre juntos. E, de acordo com a Morte, nossa amiga procurada é a gata selvagem.

-Parece que tiramos a sorte grande. –Mitaray piscou os olhos acinzentados, uma alegria inundando seu peito. Tinham uma chance. Podiam vencer! A vida nunca parecera tão disposta a lhes dar todas as armas. Com Kit ao lado da Equipe Black, Diamante sobreviveria. Todos sobreviveriam.

Aaron e Pandora entraram na grande sala. A primeira coisa que fizeram foi cumprimentar Hiei e Mitaray. A segunda foi dizer em um tom alegre: -Eles estão vindo. Vão chegar bem na hora!

Iris abriu um sorriso breve. Com aqueles dois podia contar. Eram os mais competentes ‘caçadores de informação’ que tinha. Aaron era o engenheiro da equipe. Seus olhos azuis não deixavam passar nenhum detalhe. Os cabelos negros e arrepiados lhe davam um ar mais jovem, embora tivesse 30 anos. Guardava para si um sentimento muito forte com relação à colega que agora estava ao seu lado.

Pandora tinha tudo para ser uma simples mortal ou já estar morta. Seu corpo era escultural, mas nem um pouco forte. Sua habilidade com armas de “curto alcance” era mínima. Além de tudo, ela nascera cega.

Apesar disso, ela era uma das melhores estrategistas da equipe. Seu cérebro trabalhava absurdamente rápido. Seu corpo pequeno lhe permitia sair de quase qualquer enrascada. E, embora não pudesse enxergar, ela sentia com tanta intensidade que podia atirar num alvo a metros de distancia com seu poderoso arco e flechas. Sua audição, tato e olfato funcionavam assustadoramente bem, e com isso ela podia viver e fazer qualquer coisa que alguém que enxergasse podia. Não sentia falta de ver o céu, ou o inimigo, ou as crianças. Só havia uma única coisa que a perturbava em não enxergar. Não poder ver o mar.

Crescera ouvindo histórias sobre como era bonito, misterioso e perigoso. Nascera em Farem mesmo, no litoral, o que explicava sua pele morena. Era filha de um guerreiro habilidoso e marinheiro nato. Era um homem rude, sempre com feições sombrias em sua face enrugada e coberta por feias cicatrizes. Mas amava a filha. E sofreu muito quando ela fora raptada e levada para longe dele. Adoeceu, e não viveu o suficiente para ver a bela filha retornar, salva por um antigo feiticeiro: Crós.

Ela ingressou na equipe logo depois, convidada pelo próprio feiticeiro. Crós não lhe ensinou truques, nem mágicas, nem tampouco curas. Porém, foi o primeiro que acreditou nela. E, graças a ele, Pandora achou o seu lugar, e desenvolveu todos os talentos que, até agora, ninguém vira.

O mar... Como queria poder vê-lo! Mas havia ainda mais uma coisa que ela desejara ver... O rosto do homem que estava ao seu lado naquele momento, explicando qual foi o esquema que usaram para rastrear Crós e a garota no Mundo Real. O homem que a fazia rir com bastante freqüência, que sempre estava lá quando ela mais precisava, que inexplicavelmente se calava todas as vezes que ela falava a palavra ROMANCE ou AMOR, embora soubesse que ele estava olhando para ela, de uma maneira diferente... Especial.

Ela sempre sabia quando Aaron a olhava daquele jeito. Queria poder ver esse olhar. Quando o conheceu, a primeira coisa que perguntou foi algo do tipo “pode me dizer como você é?” Ele sorriu e lhe disse: “olhos azuis, cabelo negro arrepiado”.Foi até modesto. Cores não significavam nada para ela, e ele deve ter realmente percebido isso, pois se apressara em dizer: -Não que seja muito importante.

Pandora virou-se para ele e perguntou: -Você disse cabelos negros?

-Sim. –Respondera ele. –Por quê?

-É a única cor que posso distinguir. É tudo que eu posso ver. Pelo menos vou ter algo para me agarrar... Algo para me servir de exemplo. –Ela parou. Ele não dissera nada. Começara assim... Seus silêncios abruptos e aconchegantes que ele fazia toda vez que se falavam. –Quando perguntei como você é, quis dizer por dentro.

Os olhos de Aaron brilharam, como incendiados por uma centelha de compreensão. Nunca conhecera alguém que pudesse ser tão simples e maravilhosa ao mesmo tempo. Sorriu mais uma vez e respondeu: -Chato pra caramba, inteligente, mas nem tanto... Não penso muito antes de falar, não sou tão corajoso como deveria...

-Esqueceu de algumas coisas.

-O quê?

-Sua sinceridade... Modéstia... Honestidade... E, finalmente, sua gentileza.

Desde então, um passou a prestar atenção no outro mais detalhadamente. E, apesar de nunca terem dito isso um para o outro, a cada dia que passava começavam a se amar um pouco mais...

-E então? Como conseguiram? –Interrogou Taylor.

-Primeiro fizemos o computador canalizar a energia dos portais entre o nosso mundo e o Real. Depois, juntamos a energia gerada pelo comunicador de Crós. Então, usamos um pouco de eletricidade para criar uma ponte entre o computador e o comunicador dele. Conseguimos entrar em contato.

-Sério? –Iris precisou agarrar Dayana pela gola da camiseta, antes que começasse a pular de alegria. A sala já estava carregada de energia suficiente para criar uma bomba nuclear.

-O contato foi rápido, mas Salem disse que ele e os outros já estavam chegando. -Pandora respondeu, se libertando de sua semi-inconsciência. Ela era a única que só chamava Crós pelo segundo nome. Sempre o chamava assim, pois foi o único nome que entendeu quando ele salvou-a dos seqüestradores. Estava tão esgotada que não conseguia fazer perguntas, nem pedir para repetir. Mesmo depois disso, ela insistiu em chamá-lo apenas de Salem. E como ele gostava mais do segundo nome do que do primeiro, aceitou isso de bom grado.

-Os outros...? –Questionou Iris, sem entender.

-Sim, os outros. É uma história meio complicada de se explicar, porque Salem não teve a oportunidade de contar, sabe...

Todos se entreolharam rapidamente.

-E, pessoalmente, creio que estão do nosso lado. –Ela hesitou, e sentiu algo apertar sua mão com força... Conhecia aquele toque. Seu companheiro inseparável tinha ouvido a insegurança em sua voz e afagava a sua mão sutilmente. Esquisito... Ele nunca a tocara assim antes, sem que fosse realmente necessário. O coração disparou. Ela conseguiu se manter controlada e passou a mão pelos cabelos loiros e longos. Os olhos brancos procuravam o rosto que não podiam contemplar, por mais que quisessem. Uma onda de vertigem apoderou-se do seu corpo. O que raios estava acontecendo?

Dois olhos azuis olhavam seu rosto, incrédulos. Vários pares de olhos viraram-se para ela no mesmo instante. –Você está se sentindo bem, Pandora? –Questionou Iris.

-Estou... Eu estou. Só preciso descansar um pouco. -Seu corpo doía como se milhares de flechas tivessem a transpassado. Ela largou a mão de Aaron e se moveu para fora: -Boa noite.

Ela saiu apalpando a parede do corredor, sentindo dor, angustia e medo... Como se estivesse morrendo...

Os colegas observaram a amiga sair da sala preocupados. A líder virou-se para Aaron, perguntando: -O que você fez?

-Nada. –Respondeu ele.

-Tem certeza?

-Absoluta. Ela parou de falar e eu segurei sua mão... Mais nada.

-Vá ver como ela está, Aaron. Parecia muito pálida.

Ele não esperou que ela repetisse... Deu meia volta e entrou no corredor escuro. Seus passos ecoaram no silencio.

-O que ela tem? –Questionou Mitaray, incomodado. Nunca vira Pandora agir assim antes.

-Eu não sei. –Confessou Iris. –Começou a ficar assim há duas semanas. Temo que esteja doente.

-Eu examinei, e não achei absolutamente nada de anormal. –Alegou Taylor, que era quase médica.

-Estranho...

-Bastante. Mas vocês também precisam repousar. A prova amanhã será dura. –Ela virou-se para eles, o rosto se fechando numa careta. –Tem um quarto vago, no segundo andar. Venham, eu mostro para vocês...

Eles subiram as escadas a sua frente e chegaram a um corredor mais iluminado do que o do primeiro andar. Andando calmamente, Iris conduziu-os até o seu final, onde ficava o quarto menor, desocupado a longos 8 anos.

Aaron disparou pelo corredor. Ela não poderia ter feito o percurso inteiro tão rápido, a menos que...

Ele retornou e entrou na primeira porta, a que dava para a sala do computador. Acendeu as luzes. Pandora estava caída no chão, parecendo morta. Correu até ela e se ajoelhou ao seu lado. Já ia gritar por ajuda quando foi interrompido.

-Aaron... Não. Não grite, por favor. Estou escutando gritos demais ultimamente. –Ela murmurou, abrindo os olhos.

-Pandora... –Ele suspirou, aliviado. Um quê de raiva encobriu sua voz quando voltou a falar. –Mas que raios, você quer me matar do coração?

Ela puxou a mão dele enquanto tentava se levantar. –Por quê está tão zangado? –Murmurou, se apoiando na parede com dificuldade.

-Não estou zangado. –Mentiu ele.

-Está sim. Posso ouvir a raiva na sua voz. –Ela tentou dar um passo à frente e se desequilibrou. Ele a tomou nos braços, antes que caísse. Tenso, tentou olhar o rosto dela. Estava realmente muito pálida. Mas isso não a impediu de repetir a pergunta: -Por quê está tão zangado?

-Pensei que estivesse morta.

-Também pensei.

-O quê?

-Ando sentindo coisas estranhas... Ouvindo gritos. Isso não pára nunca. Acho que estou ficando louca.

-Deve estar doente... Mas louca, eu duvido.

-Acho que vou morrer... Em breve.

Ele sentiu uma pontada forte no coração. E se fosse verdade, o que faria? Tentou não pensar muito nisso. –Deixe de dizer sandices. Você vai ficar bem.

-Você não entende... Eu sinto que estou morrendo aos poucos. Sinto flechas invisíveis me perfurando, e a dor... Você não tem idéia do quanto dói.

Aaron arfou baixo. De repente, estava soluçando, lágrimas salgadas escorrendo pela sua face. Ele podia sentir. Não queria acreditar, mas sabia que estava próximo... Ainda abraçado com Pandora, sentiu ela se remexer em seus braços e encontrou os olhos dela. Vazios, sim, é claro, mas toda vez que via aqueles olhos sentia como se ela estivesse mesmo vendo-o.

-Pare de chorar por minha causa. Não gosto de te “ver” assim.

-Você não pode ver.

-Posso sentir. Pare de chorar. Por mim...

-Não posso.

-Por quê?

-Você não entenderia.

-Aaron...

Ele encostou a testa na dela, se controlando o mais que podia. Chega de fingir. Chega de esconder. Engoliu em seco, repetindo para si mesmo a frase que pensara em dizer a mais de 8 anos: -Eu te amo.

O silêncio o cercou. Olhou novamente para baixo, para a frágil garota em seus braços. Ela continuava com os olhos direcionados para o seu rosto. Mas aqueles olhos, geralmente tão doces, agora estavam tristes. Mais um minuto e Pandora também chorava. –Eu também te amo. Não quero deixar você...

Ele fechou os olhos e abaixou a cabeça, procurando os lábios dela. Sentiu sua leveza enquanto ela retribuía o beijo, com urgência. Se soubesse que tinham tão pouco tempo, teria aberto o jogo antes. Aaron a abraçou mais forte, o rosto molhado por lágrimas teimosas, que se recusavam a ficar em seus olhos amedrontados.

Alguém iria arrancar o tempo deles. Arrancaria aquele momento perfeito, ao qual tinham esperado tanto. Mas ele ia lutar! Ia vender caro a sua pele. Seja lá o que fosse que estivesse querendo matar Pandora, teria que lhe enfrentar primeiro.

Mas o que ninguém sabia era que Pandora podia adivinhar o futuro. E que ela não tinha visões, mais sim sentia tudo o que estava por vir. Ouvia tudo... E, a “visão” que tinha, era realmente de sua morte. E que ela se realizaria mais cedo do que poderia imaginar... E que Aaron não estaria lá para chorar por ela, pois também teria partido...

T ZT ZT ZT

Alyson olhou para Crós. Ele balançava o comunicador negro com energia: -Lata velha, porcaria, monte de sucata! Vamos, volte a funcionar!

Balançou a cabeça, como quem diz “eu não estou vendo isso”. Seus olhos buscaram Ken. O rapaz mantinha-se concentrado em pilotar, mas um breve sorriso de escárnio estava desenhado em sua face. Cloe manifestou prontamente a sua opinião, que também passara pela cabeça dele: -Bem vindo à nossa piada particular do Mundo Real... Os aparelhos sem fio estão sempre fora de área.

Crós pensara em atirar o aparelho longe quando lembrou o que Taylor provavelmente diria: “Acha que o dinheiro que vem do Palácio de Granito para financiar nossas ações nasce em árvores?”. Respirou fundo e retrucou: -Eu definitivamente odeio esse lugar.

-Tá, não precisa exagerar. Não é tão ruim assim. –Alegou Alyson, remexendo na mochila que trouxera, procurando o aparelho de MP3 que tinha jogado lá dentro no dia anterior.

-Deixe de ser hipócrita, você não gosta desse mundo mais que eu. –Protestou ele.

Ela parou para pensar um instante e respondeu: -Verdade. Eu definitivamente detesto toda a corrupção, violência e falta de amor-próprio que enche este mundo hipócrita. Mas eu nunca conheci um lugar melhor... Antes um mundo perdido e caindo aos pedaços do que nada.

-Não culpe o mundo em si. Culpe os próprios humanos que fizeram isto com ele. –Alegou o feiticeiro, solenemente.

–Pensei que você estivesse fazendo exatamente isso...

–Pensou errado.

Ela desistiu de discutir e deu de ombros. A voz suave de Kem chegou nos seus ouvidos.

–Se serve de consolo para vocês dois, também abomino esse mundo criado por seres humanos hipócritas.

–Tá aí uma coisa que eu não esperava ouvir. –Falou Cloe.

–Se tivesse tido uma vida igual a minha, aposto que concordaria comigo.

–Não precisa ser grosso... Eu entendo o seu lado. O que eu disse sobre falar antes de pensar?

-Desculpe.

-Pessoal, vamos tentar acalmar os ânimos, ok? –Pediu Alyson, completando animadamente: –Achei!

-O que? –quis saber kem.

-O aparelho de MP3 que estou procurando há uma hora. –Ela disse calmamente, enquanto sentava novamente e colocava os fones de ouvido.

-Não vai dormir?

-Estou muito agitada para isso. Você não?

-É, bastante. –Ken piscou os olhos, cansado.

-Por que não diz logo “não”?

-Porque não quero parecer indiferente e muito menos ferir seus sentimentos.

-Esse cuidado todo está começando a me assustar... -Ela comentou, fitando as costas dele, enquanto trocava de lugar com Crós, assim como na noite anterior. Ele recostou-se na cadeira do co-piloto e virou a cabeça para olhá-la.

-Nunca mais vou discutir com você.

-Quando o fizer, saberei que voltou ao seu normal.

Ele riu levemente, mas não respondeu.

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